A singularidade das multidões

multidão (latim multitudo, -inis) s. f.

  1. Grande número de pessoas (ou de coisas).
  2. Aglomeração; montão.
  3. Povo; populacho; turba.

Ao pensarmos em multidão imaginamos o caos, desorganização, confusão, contra produção. Assim foi por muitos anos no espaço da racionalidade. Práticas educacionais e corporativas buscaram na padronização o caminho para o progresso, alinhados à cultura da produção em massa da Revolução Industrial. Até mesmo o lema da nossa bandeira: Ordem e Progresso; parece nos remeter a esta lógica, uma lógica profundamente entremeada nos valores e princípios da sociedade do século XX. Praticamente uma verdade absoluta e intangível que serviu de base para a construção das estruturas sociais e organizacionais até então conhecidas: Hierarquia vertical, comando em cascata, broadcasting e o gênio solitário.

Foto: Afonso Lima

No final do século XX, os EUA abriram a Internet à humanidade, até então uma infra-estrutura tecnológica em rede que servia para a comunicação e armazenamento de dados entre acadêmicos e militares. Tim Berners-Lee adicionou à esta camada uma nova camada de comunicação, a WWW. A apropriação da WWW livre e a consolidação dos conceitos de usabilidade e acessibilidade, pavimentaram o que hoje chamamos de web 2.0. Se observarmos “fora da caixa”, tudo que evoluiu na verdade configurou na redução da curva de aprendizagem, e consequentemente facilitou enormemente o acesso, tornando as camadas tecnológicas da rede invisíveis. A partir dai a Internet transformou-se em uma rede de pessoas, iniciando um processo sem retorno de profundas mudanças em todas as esferas da sociedade.

Crowdsourcing, as multidões fazendo acontecer

O Software Livre é sem dúvida nenhuma o caso mais notável de crowdsourcing. É uma construção caótica de software, com uma organização sem lideres, e sem hierarquias, jogando por terra valores e princípios “inegociáveis” do século passado. Muitos ainda não entendem como é possível produzir desta forma, outros tantos nunca irão entender, pois teriam de destituir-se de velhos e sedimentados princípios e valores, e muita gente não esta disposta à isto. Ainda são do tempo do “Em time que esta ganhando não se mexe”, azar o deles? Não, esta resistência à mudança tem sido a mola mestra do ACTA e outras práticas daninhas à rede como o AI5 digital. Estes neoludistas enxergam a Internet como uma ameaça, e nós como uma oportunidade única. Estamos em rota de colisão.

A nosso favor estão as pessoas de mente aberta, como o Rob McEwen CEO da GoldCorp, uma mina de ouro Canadense, que em 1999 estava à beira da falência. Depois de encantar-se pelo espírito livre e desbravador do Linux, que ele assistiu em uma conferência no MIT. Apesar de seus funcionários e especialista dizerem que não era mais possível extrair ouro da mina, ele acreditou que alguém poderia ter a solução. McEwen criou o concurso Goldcorp Challenge, que prometia distribuir U$575.000 aos que tivessem as melhores idéias para extrair ouro. Rob compartilhou dados secretos, como plantas, mapas, estudos e tudo mais que fosse necessário. O resultado do concurso foi fantástico, além da economia, equivalente a três anos de funcionamento, foram identificados 110 pontos de extração, e metade deles jamais haviam sido identificados pela Empresa. A GoldCorp pulou de um faturamento de U$ 100 milhões por ano para U$ 2 bilhões.

O caso da GoldCorp é emblemático porque é um caso que os analógicos entendem, é um exemplo incontestável do poder das multidões. Outros casos interessantes estão se construindo à nossa volta, como os diversos projetos de crowdfunding, onde indivíduos investem e decidem coletivamente como o capital será aplicado. A Wikipedia é outro caso fantástico, bem como as próprias redes sociais, elas não são nada sem nossa participação, sem nos o Facebook, Orkut, Youtube e outros não seriam nada, apenas uma boa idéia. E o mais incrível e que continuamos a agregar valor à estas redes, pois não visamos o retorno material, nossas motivações são outras. O documentário Us Now nos mostra vários casos de crowdsourcing, até mesmo um time de futebol, o Ebbsfleet united, com mais de 30 mil donos e técnicos que decidem de forma colaborativa até mesmo a escalação do time. Us Now também mostra exemplos de auto-organização que apontam para novas formas de governo, de democracia participativa.

Na esfera do governo, temos projetos inovadores no Brasil, como as consultas públicas do Marco Civil da Internet , Reforma da Lei de Direito Autoral e outras. Estas consultas foram feitas de forma livre à população pela Internet, um caso digno de registro de crowdsourcing no processo legislativo. Por falar em processo legislativo, temos também no Brasil o e-Democracia, uma rede social ligada à Câmara dos Deputados, que permite discutir temas em destaques e propor novos temas para debate. Ainda não temos nenhum projeto de colaboração como o Challenge Americano, onde diferentes órgãos do governo, apresentam problemas à sociedade e recompensam financeiramente àqueles que apresentam as melhores soluções.

O Crowdsourcing.org  é uma rede social especializada no crowdsourcing, e identifica basicamente sete grupos de estudo do tema:

  • Crowdfounding – Financiamento coletivo;
  • Cloud Labor (Trabalho em nuvem) – Aproveitamento de grupos virtuais de trabalho, disponíveis sob demanada para a realização de tarefas e projetos;
  • Collective Creativity (Criatividade coletiva) – Uso de grupos de talentos para desenvolvimento original de arte, design, mídia e conteúdo;
  • Open Innovation (Inovação aberta) – Uso de fontes externas à entidade ou grupo para gerar, desenvolver e implementar ideias;
  • Collective Knowledge (Conhecimento coletivo) – Desenvolvimento de células de conhecimento e informação a partir de grupos distribuidos de colaboradores;
  • Community Building (Construção de comunidades) – Desenvolvimento de comunidades através de grupos que compartilhem das mesmas paixões;
  • Civic Engagement (Engajamento cívico) – As ações coletivas que tratem de questões de interesse público.

Como vemos, ainda estamos começando a usar o poder das multidões, as pessoas estão começando a entender que juntas possuem um poder ilimitado, que não dependem dos intermediários e representantes. Governos e corporações também estão entendendo…

Individuo coletivo

Nos meus tempos de criança acreditávamos na figura do gênio solitário, filmes e desenhos animados nos mostravam cientistas isolados do mundo e acompanhados de um assistente burro, uma bela metáfora. É impressionante, mas hoje em dia muita gente ainda acredita no gênio solitário, tivemos nossas subjetividades subjugadas como sempre. Felizmente o mito do gênio solitário esta sendo derrubado nos tempos digitais do século XXI, avise aos “analógicos” da sociedade! Scott Berkun, ex-engenheiro da Microsoft, em seu livro “The Myths of Innovation” joga este conceito por água abaixo, e de quebra ainda enterra a idéia de que grande inovações vieram por epifania. Berkun explora uma questão muito importante, e que nos simplesmente sublimamos: Não estamos sozinhos, o ser humano é um ser social. Seja qual forma as idéias irão tomar, se produto material, imaterial ou bem cultural, elas são da coletividade. As idéias são construídas em coletividade, o “dono” dela tem sido aquele que consegue sistematiza-las ou utiliza-la para um propósito específico. O legado do século passado ainda insiste no fato de que as idéias são do primeiro a registrar a sua patente.

Somos parte da multidão, somos construtores da subjetividade coletiva, assim como nossa subjetividade é produto desta construção. Para ser mais correto, podemos afirmar que somos prosumidores de nos mesmos e ao mesmo tempo de todos nossos peers, que também são nossos prosumidores. No século passado isto era entendido pelo provérbio que dizia que “o homem é produto do meio”, mas o meio mudou, e o provérbio mostrou-se incompleto. Hoje podemos dizer que “o homem é produto do meio e o meio é produto do homem”, isto num ciclo crescente de construção cognitiva e coletiva do conhecimento. Quanto mais conectada a sociedade, mas visíveis ficam velhos conceitos que estão sendo subjugados, estamos quebrando velhas regras com uma voracidade incrível. Hoje entendemos que somos feitos de células, e a nossa “alma” de colaboração. É preciso entender que somos todos “eu” coletivo, que carregamos em nos um pouco de cada um, e vice versa.. Isto vale para tudo, saber, negócios, política e informação, ninguém é alguém sozinho. É preciso entender que o conhecimento pertence à sociedade, e que esta, e somente esta, tem a capacidade e o direito de transforma-lo de forma nunca antes imaginada na história da humanidade.

Os seis graus que nos separam

O importante fator das profundas e definitivas mudanças que estamos passando em nossa sociedade é o fato de estarmos novamente conectados em rede, novamente porque muito provavelmente estivemos conectados em rede quando ainda selvagens. A natureza irracional e burra esta repleta de exemplos de estruturas em rede, colméias, formigueiros, movimentos dos mares, planetas, e até mesmo nossa estrutura celular e neural! O homem civilizado cometeu um grande equivoco ao confundir a seletividade evolutiva com a organização estrutural das diversas sociedades, aprendemos equivocadamente que necessitamos de uma estrutura de poder vertical, poucos pensam e muitos executam, mais uma bela metáfora do capitalismo. Estão sempre buscando lideres em tudo…

Albert-László Barabási é um estudioso de redes, matemático, sistematizou esta estrutura e conseguiu provar matematicamente a teoria dos seis graus de separação. Segundo Barabási, apesar de seremos milhões conectados em rede, estamos de fato, distantes de qualquer outro por apenas seis pessoas. Barabási explica que as estruturas de redes são complexas e os hubs são indispensáveis ao funcionamento destas estruturas. Hubs por exemplo são indivíduos com alto capital social, ou sites e serviços populares. Os hubs são atalhos entre os milhões de nós da rede, de qualquer rede.

Fritjof Capra, compila no livro “A Teia da Vida”, várias contribuições da física, da matemática e da biologia para a compreensão dos sistemas vivos e, especialmente, de seu padrão básico de organização. Capra identifica a rede como esse padrão comum a todos os organismos vivos. “Onde quer que encontremos sistemas vivos – organismos, partes de organismos ou comunidades de organismos – podemos observar que seus componentes estão arranjados a maneira de rede. Sempre que olhamos para a vida, olhamos para redes. (…) O padrão da vida, poderíamos dizer, é um padrão de rede capaz de auto-organização”. Em seu livro “As Conexões Ocultas”, Capra tenta aplicar os princípios apresentados em “A Teia da Vida” na análise de fenômenos sociais – como o capitalismo global, a sociedade da informação, a biotecnologia e os movimentos contra-hegemônicos da sociedade civil.

A singularidade será das multidões

Conforme a Wikipedia, singularidade tecnológica é a denominação dada a um evento histórico previsto para o futuro, no qual a humanidade atravessará um estágio de colossal avanço tecnológico em um curtíssimo espaço de tempo. Vários cientistas, entre eles Vernor Vinge e Raymond Kurzweil, e também alguns filósofos afirmam que a singularidade tecnológica é um evento histórico de importância semelhante ao aparecimento da inteligência humana na Terra. Ainda não existe consenso sobre quais seriam os agentes responsáveis pela singularidade tecnológica, alguns acreditam que ela decorrerá naturalmente, como conseqüência dos acelerados avanços científicos. Outros acreditam que o surgimento iminente de supercomputadores dotados da chamada superinteligência será a base de tais avanços.

Na minha opinião a singularidade não será tecnologia, e sim das multidões, quanto maior a penetração da Internet na sociedade e quanto mais intensa for apropriação do crowdsourcing, mais rapidamente teremos as mudanças. Estas mudanças tenderão a ser de forma exponencial, não significa que mais um participante produza um incremento unitário, mas sim que este incremento leve em conta que o crowdsourcing é um processo retro-alimentando. Desta forma, nesta equação temos de considerar o que já fora construído e o potencial agregador e construtor do novo player, considerando inclusive seu capital social. Capital social este determinado em função da rede de relacionamento e do poder interativo e comunicacional deste indivíduo. Esta singularidade se dará na intensa construção cognitiva e coletiva do saber, potencializando ao máximo o conceito da Inteligência Coletiva sistematizado pelo filósofo Pierre Levy. Este fenômeno se dará possivelmente no momento em que a geração digital atingir a maturidade. Esta geração terá todos os conjuntos de afinadades, dogmas e valores para o processo pleno da construção e uso da Inteligência Coletiva, caracteristicas estas que nos imigrantes digitais não temos e nunca teremos, mas teremos o privilégio de vislumbrar o nascimento de uma nova sociedade infinitamente mais inteligente que a nossa, e profundamente interconectada, mudando radicalmente o mundo que conhecemos.

Uma vez entendido isto, podemos imaginar o tamanho do poder que a sociedade conectada poderá vir a ter, numa matriz dos poderes instituídos, este seria o quinto poder. Hoje temos os três poderes do Estado: Executivo, Legislativo e Judiciário que são poderes locais, e o quarto poder que é o corporativo que é enorme e transnacional e atualmente exerce uma enorme força sobre os Estados. Se levarmos em conta de que das 100 maiores economias do mundo, 51 são corporações. Dá para sentir o tamanho da força do quarto poder, eles simplesmente são mais poderosos que as nações. Entretanto o poder das corporações é avaliado em função do capitalismo, e da cultura da escassez. Douglas Rushkoff avalia que o capitalismo é na verdade o “sistema operacional” da sociedade, e que assim como ele no passado substituiu o “sistema operacional” vigente, nada impede que ele venha a ser substituído em breve, e a minha tese da singularidade das multidões prevê isto como citado no parágrafo anterior. Thomas Greco, em seu livro “The end of money and the future of civilization” coloca mais lenha na fogueira, mostrando que o modelo capitalista é auto-destrutivo e insustentável e que a partir da crise de 2008, a coisa só tende a piorar. Greco aponta na direção que estamos tomando. Mas o que virá depois do capitalismo? Segundo o Professor Giuseppe Cocco o que esta se construindo é o Capitalismo Cognitivo, uma forma de capitalismo que tem o conhecimento e a informação como principais riquezas e valoriza as competências cognitivas e relacionais.

Mesmo antes da troca do “sistema operacional” da sociedade, veremos o quinto poder chegar a um patamar de igualdade ao quarto. Se configurarem as previsões, as mudanças serão profundas e alavancarão o quinto poder como o maior poder da sociedade, ou seja, a própria sociedade conectada será o seu maior poder. Temos movimentos políticos e sociais acontecendo pelas multidões conectadas, o Mega Não e o Ficha Limpa no Brasil, 15-M na Espanha, o Stop Acta a nível mundial e troca de poder no Egito só para citar alguns. Os sinais estão por ai, e os envolvidos estão cientes e tomando suas providências, eles tem pressa. Em 2012 teremos a maior idade de uma parcela significativa da geração digital, eles tem pressa, muita pressa.

Texto ampliado e adaptado do que publiquei originalmente na Revista Espirito Livre numero 26, de maio de 2011

Nota de falecimento

Acaba de falecer o CAPITALISMO!

Rituais de magia branca de olhos azuis e amarela de olhos puxados ainda tentarão dar sobrevida ao defunto inutilmente. Seus comparsas, a mídia golpista (PIG) tentarão ocultar o cadáver, mas a sociedade conectada, o quinto poder, irão mostrar a todos onde esta o corpo fétido. O establishment irá negar enfáticamente sua culpa no assassinato:

– Foram os emergentes!

– Foram os emergentes!

Eles dirão na mais manjada estratégia Maquiavélica, afinal o Inferno são os outros ja dizia Sartre.

Seus orfãos, os Bancos e Mega Corporações irão tentar, através do legado da privataria promovida pelo neoliberalismo, instalar o “neocolonialismo“, tentando extrair vorazmente da turma de baixo suas riquezas. Entretanto o povo de baixo já não é mais tão subserviente ao império, e a queda 2.0 da nobreza colocará o mundo de cabeça para baixo.

O capitalismo cognitivo, onde as pessoas são o centro e não o dinheiro, vazara de baixo para cima, trocando o “sistema operacional” da sociedade como prefetizou Rushkoff, e veremos uma profunda e gratificante mudança na sociedade, onde o pensar e agir coletivo é a normalidade como bem diz Shirky.


A nota acima foi inspirada pelo infográfico da divida americana, que mostra a divida total de 114,5 trilhões de dolares. Segundo o infográfico, um cidadão médio levaria 92 anos para acumular U$ 1 milhão, logo seriam necessário que 114.500.000 de americanos trabalhem 92 anos para pagar a dívida. Como a estimativa de vida do Americano esta em 78 anos, uma regra de três simples nos leva ao número de 135.051.282 cidadãos, o que equivale a quase 44% da população daquele país. Some-se a isto a crise que assola a Europa, onde a dívida impagável da Grécia é apenas a ponta do Iceberg e veremos um quadro dantesco.

Thomas Greco em seu livro “The End of Money and the Future of Civilization” ja preconizava isto, afinal o capitalismo vive de endividamento, somos todos endividados e não prosperos como nos fazem crer. Estamos sempre trocando de dívidas, e isto leva a um ponto onde o endividamento se torna uma escala logarítmica, que tende ao infinito, promovendo uma verdadeiro “stall”.

Então prepare-se vamos entrar em uma grande turbulência, a aeronave vai cair, mas muitos sobreviverão…

Nota: Depois de publicar este texto aos sete ventos sem me certificar do valor da dívida americana, fui informado que ela é de U$ 15 trilhões e fui averiguar e vi que na verdade 114,5 trilhões de dolares é o valor emprestado a descoberto pelos bancos americanos, o que na prática acaba dando no mesmo. A figura acima mostra dois “edificios ao lado da estatua da liberdade, o menor é equivalente à pilha de cédulas de U$ 100,00 da dívida americana e o maior que o World Trade Center é o total do empréstimo à descoberto dos bancos americanos.

A Internet sob cerco, os hackers não são o perigo real

Para quem pensa que os ataques são o real perigo que ronda a Internet, vamos deixar claro que não, o perigo maior é a criação do Momento Hobbesiano que a mídia esta fazendo. Ela fala de “onda de ataques” antes mesmo dos sites brasileiros terem sido atacados, como quem segue um script, o clima midiatico nos faz ter esta percepção subjugando nossa subjetividade como já sabemos. A mídia, ou melhor o PIG, este mesmo que cria maniacos como o Assasino de Realengo, agora esta querendo criar mais um factoide, factoide este sumariamente dizimado pelo Altiere Rohr.

Veja o video abaixo que produzi para o Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas com base na palestra que proferi no Encontro Estadual de Blogueiros Progressistas em Belo Horizonte no início deste mês, e entenda as reais ameaças que cercam a Internet, e surpreenda-se.

 

Não alimente os trolls…

Trolls são velhos conhecidos desde antes do advento da Internet, já existiam nos tempos do BBS, ou melhor sempre existiu na história da humanidade alguem à debochar das pessoas e provoca-las. A trollagem é uma característica inata da raça humana, tem gente dizendo até que o Inri Cristo é um excentrico que leva a vida em trollar a humanidade, vai saber né?

Um troll, na gíria da internet, designa uma pessoa cujo comportamento tende sistematicamente a desestabilizar uma discussão, provocar e enfurecer as pessoas envolvidas nelas. O termo surgiu na Usenet, derivado da expressão trolling for suckers (lançando a isca para os trouxas), identificado e atribuído ao(s) causador(es) das sistemáticas flamewars e não os trolls, criaturas tidas como monstruosas no folclore escandinavo.

Wikipedia

Estamos sempre sujeitos à interferência dos trolls, a melhor forma de lidar com eles sempre foi a de não “alimenta-los”, sem “alimento” eles não proliferam e acabam indo buscar atenção em outra freguesia. Nos anos 90 eram comuns as trollagens nas listas de discussão que provocavam muitas vezes guerras inflamadas (flamewars) e era um “Deus nos acuda”, perdia-se o foco do debate e muitas vezes até amigos. No verbete sobre Trolls na Wikipedia você vai encontrar as principais técnicas que eles utilizam, e vai ver também que muitas vezes eles atacam em grupos e que os grupos podem ser compostos por vários avatares controlados por uma única pessoa ou grupo de pessoas.  As motivações que levam à trolagem são em geral: auto-afirmação, ideologia, fanatismo, sacanagem, simplesmente ociosidade. Muitos trolls buscam apenas diversão para combater o tédio, mas a maioria deles também porta alguma característica mal-resolvida de personalidade, como trauma, fracasso financeiro e amoroso e até patologias psicológicas.

Os antigos trolls de lista migraram para as redes sociais, em especial o Orkut e o Twitter, sendo este último uma rede social com grande aderência à lógica da rede. O Twitter hoje é a ferramenta mais eficiente para articulações, em pouco tempo é possivel disseminar uma informação para milhares de pessoas.

Não podemos deixar de registrar aqui os trolls políticos, que prefiro chamar de trolls profissionais, consolidados em abundância nas eleições de 2010. Estes trolls habilmente disseminavam inverdades, derrubavam trending topics, e provocavam a militância oposta com o intuito de desarticula-la. Como eles surgiram, e principalmente para onde foram são ainda perguntas sem respostas, será que foram para algum lugar ou ainda estão ai “vivinhos” da Silva? Uma coisa é certa, esta campanha teve uma participação fundamental da sociedade conectada, estrategistas éticos usavam as boas práticas da WOMMA, outros abusavam de scripts e subterfúgios condenáveis para atingir seus objetivos. O trabalho das multidões serviu à uma fantástica onda de desconstrução de factoides, foi uma campanha bem interessante, digna de ser documentada e registrada nos anais da história do país.

Voltando à questão dos trolls profissionais, eles diferente do tradicional, seguem em geral uma estratégia e conhecem bem a dinâmica de rede. Para derrubar um trending topic no Twitter, por exemplo, basta configurar um perfil bot para retuitar tudo que encontrar em uma determinada hashtag. Com isto o Twitter percebe que o crescimento de uma hashtag não é orgânico, ou seja proveniente de vários usuários, e a penaliza retirando dos trend topics. Isto aconteceu recentemente com a tag #foraAnaDeHollanda, para atender à este objetivo basta monitorar determinada tag ou os trends no Twitter e ativar o bot como e quando for necessário, nada ético, mas bastante usado.

A dinâmica da rede

Para entender como os trolls profissionais conseguem se disseminar no Twitter, vamos entender um pouco da dinâmica da rede. Observe a figura abaixo, do lado esquerdo, em verde, temos um perfil forte. Este perfil em geral é seguido e segue outros perfis fortes (2º nível) e com eles possui uma boa interação e atingem facilmente os seguidores de 3º e 4º niveis, podemos dizer que este perfil é bastante influente e que possui um “capital social” elevado, a construção de sua rede de relacionamento é orgânica e se dá de forma gradual e sólida com base em uma relação de confiança. Do lado direito temos um perfil fraco, que possui muitos seguidores de 2º nível, que em geral foram adicionados por script e não possuem com ele nenhuma afinidade, estão ali apenas fazendo número. Poucos seguidores interagem com este perfil, e em geral eles não possuem um alcance significativo, mal chegam ao 3º nível e possuem um “capital social” muito baixo. Isto demonstra que o número de seguidores não é um indicador seguro de capital social, é bem possível por exemplo que um perfil com 1000 seguidores seja muito mais influente que um com mais de 100.000, reforçando a tese de que em mídias sociais a qualidade das relações é mais importante que a quantidade.

Mas então como os fakes, que em geral são perfis fracos e inócuos fazem para atingir seus objetivos ? Eles contaminam os perfis fortes trolando-os, vamos tentar entender como isto funciona.

Cada um de nos temos em termos de informação um “Twitter” diferente, a única forma de possuirmos a mesma timeline seria seguirmos exatamente as mesmas pessoas, mas isto não existe. Cada um de nos segue diversas pessoas e muitos seguem as mesmas pessoas, são estes que conectam os diferentes “clusters” no caso o meu e o seu. Da mesma forma as demais pessoas de sua timeline seguem pessoas em comum e pessoas diferentes e isto é que é sensacional, pois permite o transito de informações entre diferentes clusters. Quando uma mesma informação é comum em diversos clusters ela em geral tem relevância suficiente para se tornar um trending topic, e quando ela é repetida freneticamente também consegue aumentar a chance de ser vista. No Twitter que é baseado em uma timeline, mesmo sendo assincrono, uma mensagem tuitada há uma hora por alguém que você segue provavelmente não será mais vista por você, a não ser que ele o cite na mensagem ou que ela seja repetida pelo mesmo emitente ou retuitada por outro que você siga. Um tema muito retuitado por muitas pessoas vira um “meme” e transcende os clusters a ponto de invadir diversos outros, atingindo um público incomensurável. No Brasil a mídia tem se pautada muito pelo Twitter, em geral as redações de diversos veículos ficam monitorando os trending tópics e vão atrás da história para fazer a matéria, neste ponto o meme já transcendeu a comunicação em rede, e foi arrebatado pelo mainstream.

O troll profissional que em geral possui um perfil fraco conhece esta dinâmica e provoca de forma agressiva, em geral com ofensas e crimes verbais diversos formadores de opinião que indignam-se e dão inicio ao meme esperado por ele. Transforma-lo em um meme, seja lá por que razão ou meio, é em linhas gerais o objetivo do troll, e denuncia-lo silenciosamente e comunicar aos seus peers de forma discreta é a melhor estratégia, um troll que não contamina, não se cria. Não alimente os trolls…

UPDATE:

  1. Aparentemente não ficou claro no texto, então é importante ressaltar que nem todo troll é fake, e nem todo fake é um troll.
  2. Na figura que representa os perfis fracos e fortes, apesar de ser uma estrutura visivelmente vertical, esta relação se da de forma horizontal, a perfeita representação gráfica ser daria de forma radial, só não a fiz assim por falta de tempo e habilidade técnica.

Este post foi publicado originalmente no Trezentos.

 

Orwell & Huxley um ensaio distópico

Uma Distopia ou Antiutopia é o pensamento, a filosofia ou o processo discursivo baseado numa ficção cujo valor representa a antítese da utópica ou promove a vivência em uma “utopia negativa”. São geralmente caracterizadas pelo totalitarismo, autoritarismo bem como um opressivo controle da sociedade. Nelas, caem-se as cortinas, e a sociedade mostra-se corruptível; as normas criadas para o bem comum mostram-se flexíveis. Assim, a tecnologia é usada como ferramenta de controle, seja do Estado, de instituições ou mesmo de corporações.

Wikipédia

Nos meus tempos de criança costumava viajar no tempo assistindo às séries espetaculares de ficção, nos anos 60 e 70 era o que tinha de mais comum: Perdidos no Espaço, Viagem ao Centro da Terra, Terra de Gigantes dentre outros. Nasci na década que o homem foi à lua e assisti junto com minha família a transmissão ao vivo desta façanha, sempre fui fascinado pelo futuro, pelo espetáculo da evolução e pelo avanço da tecnologia. O blog Paleo Future me remete àqueles tempos, onde a visão futurística nunca se concretizou. Sempre curti ficção científica, mas ela sempre erra, é muito difícil prever o futuro, afinal o futuro não é feito apenas por idéias e conceitos, a sociedade é o grande determinante deste futuro, quem poderia imaginar um smartphone há dez anos? Quem poderia imaginar a Internet atual há dez anos? Eu tenho ousado imaginar como viveremos daqui há vinte anos, estou escrevendo uma ficção, mas só o tempo irá me dizer se estava certo. Imagine então autores de 1932 e 1949 escrevendo sobre o futuro, devem ter errado feio! Infelizmente não é o que parece. Em 1932 Aldous Huxley escreveu a distopia “Admirável Mundo Novo” e em 1949 George Orwell escreveu “1984″.

Huxley descreve um mundo futurista com um país transcontinental, onde os indivíduos são todos de proveta e manipulados geneticamente para que se encaixem em determinada casta e nela permaneça satisfeito por toda vida. No mundo de Aldous, a luxuria e o prazer são extremamente estimulados e não existem vínculos afetivos, que são combatidos com o estimulo à busca individual pela auto-realização. Neste mundo hipotético, vive-se para o consumo e o prazer. Depressões e pensamentos “negativos”, inclusive os de solidariedade, são combatidos com drogas de consumo livre e estimulado. Em Admirável Mundo Novo, existem países que não foram “civilizados” onde sua sociedade, dita selvagem, constrói famílias e vínculos afetivos de forma natural, os sentimentos de solidariedade, família e pertinência são muito comuns no mundo dos selvagens.

Em 1984 o mundo futurístico também é compostos por países transcontinentais, e o cenário é de total vigilantismo e totalitarismo. Todas as residências são vigiadas pela “teletela” que pela descrição se assemelha à uma TV que também transmite áudio e vídeo à uma central, livros e a escrita privada eram proibidos. Ao contrário do cenário de Huxley, o de Orwell prevê a manutenção da estrutura familiar, e coíbe veemente a luxuria e o prazer. No mundo de Orwell todos trabalham pelo coletivo e em sua maioria são funcionários do Estado. O lazer é coletivo, cidadãos são praticamente obrigados a frequentarem clubes públicos, da mesma forma que são obrigados à assistirem os discursos do “Grande Irmão”, que parece ser um personagem criado para representar o líder supremo, mas que ninguém nunca viu o rosto. Assim como a vida não tem valor algum na distopia de Huxley, na de Orwell ela além de não ter valor, corre o risco de nunca ter existido, pois o Ministério da Verdade, tem por função apagar os registros históricos em todos os meios, de pessoas e fatos que possam colocar o regime do Grande Irmão em risco.

O que mais impressiona nas duas distopias, é sua aderência ao cenário sócio cultural do século XXI, seguindo a máxima de “Tostines” não saberemos dizer que Huxley e Orwell acertaram suas visões ou se foram seguidos como quem segue uma cartilha.

No século XXI, ou melhor na sociedade pós-moderna, o capitalismo neoliberal segue em franca atividade, apesar da crise de 2008, por conta do consumismo insano, que leva a sociedade a ver no consumo seu maior objetivo de vida, quase uma religião. As pessoas são avaliadas por seus padrões de consumo e o processo de obsolescência programada e percebida criam constantemente signos e indicadores que acabam expondo quem esta ou não dentro destes padrões. O sistema financeiro sustenta a vida útil deste sistema perverso, adicionando novos entrantes sempre que necessários.

Neste sistema que corrompe e aprisiona, seus participantes lembram os hamsters que giram as rodas em suas gaiolas na expectativa de encontrarem o seu final, tal como a maldição de Sísifo. Presos neste sistema, pouco tempo sobra para os valores realmente importantes da vida. Nossos filhos ainda não são produzidos em escala industrial como na distopia de Huxley, mas os prisioneiros do consumismo estão sempre terceirizando o afeto e educação de seus filhos, e de quebra estão minando os laços afetivos, que passam a ser substituídos por laços de consumo. Troca-se o afeto pelos presentes, estamos ensinando desde cedo a nossos filhos que o consumo é ainda mais importante que as relações consanguíneas, e que fazer girar a roda de Sísifo é a tarefa mais importante de todas, custe o que custar! Não podemos deixar de observar que hoje muito tratam seus pares como produtos, destinados a satisfazer seus desejos.

Constatar que nossa sociedade trata pessoas como bens de consumo, e laços afetivos estão cada vez mais enfraquecidos, potencializados por relações hedonicamente fúteis, nos leva a pintar um cenário muito parecido com o de Huxley, quanto mais se adicionarmos o estilo de vida citado nos parágrafos anteriores.

Paradoxalmente, o capitalismo tido como o grande paladino que iria salvar a humanidade do totalitarismo do comunismo, tem se tornado cada vez mais um regime totalitário, mas como isto pode acontecer?

Estamos presenciando hoje em dia o surgimento de um quinto poder, o do e-Cidadão, que vem a somar-se aos três poderes do Estado e o poder das corporações. Os poderes do Estado estão limitados às fronteiras geográficas das nações, por outro lado as corporações estão se tornando gigantes transnacionais, e não só isto, estão crescendo tanto verticalmente como horizontalmente, transformando-se em oligopólios. Se levarmos em conta que das 100 maiores economias do planeta, 51 são corporações, não temos mais dúvidas de que elas estão se tornando muito mais poderosas que as nações, sobrepujando de forma cruel os três poderes do Estado.

Felizmente estamos assistindo nesta primeira década do século XXI, o surgimento de forças transnacionais de cidadãos conectados, que estão derrubando ditaduras e promovendo mudanças substanciais dentro de suas nações. Finalmente um poder que poderá se opor ao poder das corporações! Enquanto o capitalismo é tido por Bauman como um parasita que corroí a sociedade, quero concluir que a sociedade organizada e conectada, a e-Cidadania, transformou-se no parasita que corroí o capitalismo. Estas duas forças, ou blocos de poder são transnacionais e eficientes, ou seja, a globalização social parece ter se dado de forma mais rápida e eficiente do que a globalização econômica, e pior, se deu de forma descontrolada, fugiu ao controle do establishment.

Não podemos nos esquecer da globalização política, da criação de grandes blocos como o surgido na Europa, que parece ser uma forma dos três poderes do Estado ganharem força e transnacionalidade, mas que vem dando claros sinais de que não vai muito bem. Estamos querendo homogeneizar o que não pode ser homogeneizado, a diversidade é saudável em qualquer sistema. Mas de qualquer modo esta tendência de formação de blocos transnacionais nos remete às duas distopias, e faz sentido, quanto menos interlocutores são necessários, mais fácil é a negociação.

Este cenário promete ficar ainda pior, pois vários especialistas estão prevendo o crescimento ainda maior das corporações, que tenderão a se tornar “mega corporações”, e com isto poderão ter um poder praticamente ilimitado. Mas existe o poder da e-Cidadania para contrapor-se a isto, a sociedade conectada esta compartilhando conhecimento, arte, entretenimento, e até mesmo amor e compaixão sem a necessidade do intermediário, ou não? Redes sociais também são corporações e para piorar o cenário, os servidores raiz de DNS da Internet estão subordinados à OMC!

Estamos sendo manipulados, estão nos dando linha como uma pipa que sobe ao sabor dos ventos ascendentes? O poder corporativo poderá de uma hora para outra apertar um botão e desconectar os e-cidadãos? De que lado estão as corporações online, e de quem é o conteúdo que produzimos e publicamos online nestas redes sociais?

Estamos caminhando para um novo totalitarismo, o totalitarismo do capital, e o poder corporativo sabe que desarticular a e-cidadania não é tão simples como mandar desligar os servidores raiz. Por esta razão cria-se, com a ajuda laboriosa da mídia mainstream. o momento Hobbesiano com o objetivo claro de fazer crer que a Internet é um espaço sem lei, para forçar o Estado a criar formas de controla-lo. O poder corporativo só não mandou desligar a Internet porque assim como a sociedade ele também depende dela, e depende de um rígido sistema de controle de propriedade intelectual e industrial para impedir que os e-cidadãos deixem de ser seus parasitas e volte a parasita-los livremente.

Pelo exposto nos temos de tomar algumas atitudes essenciais para evitar que sejamos cooptados por um novo regime totalitarista.

  • Nos politizarmos mais, nos preocuparmos com as questões de nossa sociedade;
  • Aumentar a influência da sociedade civil na governança da rede;
  • Nos aliarmos os poderes do Estado;
  • Desconstruir incansavelmente o momento hobbesiano;
  • Pensar e construir alternativas para uma Internet;
  • Pensar local e agir global;
  • Repensar nossa relação com o consumo;
  • Pensar e novas formas de organização social.

Créditos: A imagem foi obtida no Paleo Future

UPDATE 14/09/14 – Recentemente li o artigo que fora públicado no final de 2010 que dialoga perfeitamente com este.

Mantras da Irracionalidade – Carros são poder

Na noite de sexta feira (25/02/11) um motorista atropelou intencionalmente dezenas de ciclistas que faziam uma manifestação pacífica em Porto Alegre. Ele simplesmente arrancou e foi jogando os ciclistas para o alto, um ato criminoso e hediondo. Quem lê não acredita que exista na sociedade dita civilizada tal monstro, mas infelizmente existem, e muitos! Mas se você ainda não acreditou ser possível tamanha loucura então assista aos vídeos abaixo, mas prepare-se, as imagens são fortes:

Não vou entrar no mérito e nem nos detalhes do caso, já tem muita gente falando a respeito, meu objetivo é desconstruir mais  mantras da irracionalidade (conceitos e valores que estão equivocados e que são repetidos como sendo a verdade além da verdade, subvertendo a nossa própria subjetividade).

Helton fez uma ótima reflexão sobre o caso de onde extraio algumas partes que servem de ponto de partida para nossa desconstrução:

[..]Mas eis que então se abate sobre nós o Martelo de Thor, personificado por um irresponsável e infelizmente típico representante

  • de uma classe sócio-econômica
  • de um modelo de comportamento
  • de um modelo de pensamento

que – e é assim… – tem PODER para oprimir e agredir.

E o que mais entristece é que esses modelos de comportamento e pensamento:

  • são conhecidos, mas não são questionados ou combatidos;
  • são, ao contrário, estimulados por uma série de forças sociais e econômicas;
  • têm esse estímulo ratificado cooperativamente pelo Governo, que deveria ser o primeiro órgão regulador a, em benefício da coletividade, combatê-lo.[..]

Helton segue ainda citando trechos do livro “Fé em Deus e Pé na tábua” do renomado sociólogo brasileiro Roberto da Matta, de onde tiro recortes que interessam à minha linha de raciocínio:

[..]No Brasil, o papel de motorista e seus veículos são lidos como emblemas de desigualdade. Há um contraste entre o gozo doato de dirigiu o prazer de estar ao volante, com uma total ignorância da responsabilidade civil deste ato no que diz respeito às suas consequências. Escapa aos motoristas qualquer conotação negativa do veículo, como sua potência e sua capacidade para produzir acidentes, danos e mortes.[..]

[..]Temos, então, por um lado, os motoristas (que enfiam o pé na tábua), que se pensam como tendo somente privilégios e direitos; e, por outro, os pedestres (englobados pela fé em Deus), vistos como subcidadãos cujo atributo é ter um conjunto de deveres ou obrigações. Neste sentido,  fomos tão longe em nosso descaso com qualquer compromisso com a igualdade como um dever (e um direito) de todos, que os motoristas têm o privilégio de ocupar as ruas usando-as como bem entenderem, assim como as calçadas e praças.[..]

As primeiras declarações do Delegado Gilberto Almeida Montenegro sobre o incidente com movimento “Massa Crítica” estavam completamente contaminadas com os “trojan intelectuais” que quero demonstrar.

[..]Faz a tua manifestação, mas não impede o fluxo de automóveis. Se tu impedes, dá confusão, dá baderna, dá acidente. Fica o alerta”, afirmou.[..]

[..]De acordo com o delegado, ainda não é possível afirmar que o motorista teve a intenção de atropelar o grupo de ciclistas. “Eu não sei o que aconteceu, preciso ouvir ele. Daí nós vamos ver se houve intenção”, afirmou Montenegro.[..]

Indignou-se? Muita gente na web ficou indignada, e com toda razão, o @setesete77 respondeu com precisão que bicicleta é veículo, e não atrapalha o trânsito, elas estavam sendo o trânsito. Mas infelizmente muita gente não entende isto, como o Delegado Montenegro, o “trojan intelectual” descrito por Roberto da Matta acima, há muito intronizou nestas mentes.

É nesta luta que o Massa Critica tem focado, o de mostrar que bicicleta também é veiculo, que tem tanto direito de uso das vias como os outros veículos. É difícil entender isto com clareza em um sistema de valores onde as pessoas são avaliadas por sua forma de consumo, pelo que ela aparenta ser. É a visão centrada no capital, a lógica do capital e do consumo que aprisiona e absorve o cidadão. Cidadão este que vive o mito de Sísifo, transitando cegamente entre trabalho, consumo e prazer, mas sempre dentro da ótica centrada no capital, onde o prazer está no ato de consumir, e o consumo é quase uma religião do deus Capital como idealizou Victor Lebow.

O @caouivador segue criticando as afirmativas do Delegado equivocado, e “ousou” comparar os direitos dos pedestres com os dos motoristas. Imagine se os motoristas podem esperar dois minutos para dobrarem a esquina e fugir dos “lentos” ciclistas…


Já o @massacriticaPOA foi preciso, foi no cerne da questão, foi exatamente no núcleo do “trojan intelectual”, questiona justamente a prática jurídica envolvendo acidentes de carro, sempre são registrados como acidente, nunca os motoristas são punidos criminalmente como deveriam.

Segundo o Código Brasileiro de Trânsito (CBT), bicicletas e pedestres devem ter prioridade sobre os carros. Não respeitar esta prioridade é considerado infração gravíssima, mas isto não é fiscalizado pelo poder público e nunca um motorista fora multado por ameaçar um pedestre ou um ciclista. O mesmo poder público que não coíbe a prática da invasão dos espaços dos pedestres pelos “poderosos” motoristas, e o mesmo poder que possui representantes como o Delegado Montenegro e outros com a mesma ótica centrada no capital e no poder, e não no coletivo e no cidadão comum.

Por conta das afirmativas do Delegado Montenegro e pela insistência do PIG em minimizar a culpa do atropelador, rapidamente surgiu a tag #montenegrofacts e o avatar de protesto abaixo. Estas respostas rápidas nos leva a perceber que a Internet esta cada vez mais parecida com uma teia de aranha, onde qualquer movimento em uma de suas bordas, alerta todos os pontos da rede, estamos todos conectados!

Embora muitos neguem, ou até não percebam, praticamente todos temos nossa subjetividade manipulada, seja por dogmas, princípios e valores que foram introjetados em nossa cultura ou por algumas técnicas manipulatórias usadas pela mídia de massa, vulgo PIG. Precisamos questionar nossas convicções, perguntar a elas se elas são mesmo nossas! Para isto é preciso que você desconstrua-as em suas mentes e tente enxergar as coisas por uma outra ótica. Pense por exemplo como seria um mundo onde todos tivessem o mesmo direito de ir e vir, independente do veículo que usam, uma utopia dirá você…

Douglas Rushkoff é meu autor predileto na prática da desconstrução do pensamento. Em seu livro Life Inc, ele começa contando uma história simples mas emblemática que é mais ou menos assim:

Era véspera de Natal e ele estava em frente ao seu apartamento colocando o lixo para fora quando um homem o assaltou. Mais tarde ele postou uma mensagem em um grupo de discussão do seu bairro, para que os vizinhos tomassem cuidado para não serem vitimas de assalto também. As duas primeiras respostas que ele recebeu foram de pessoas furiosas, criticando-o por ter postado aquilo, pois esta notícia poderia afetar o valor de seus imóveis. Rushkoff ficou perplexo com o fato das pessoas darem mais importância ao valor de mercado de suas casas do que ao lado humano de sua vizinhança.

São observações óbvias do cotidiano distorcido como estas, que nos fazem perceber que não somos donos de nossas subjetividades, tomá-las de volta exige que nos afastemos do ciclo Sísifico do consumo e paremos para pensar nos verdadeiros valores da vida. Obviamente não interessa ao “establishment” que façamos esta reflexão, senão poderemos descobrir que os verdadeiros valores da vida não custam dinheiro algum.

Já parou para pensar que o filme Matrix pode não ter sido uma ficção construida em torno da tese da singularidade tecnológica, e sim uma fábula debochando deste sistema? Aliás não precisamos ficar presos só neste exemplo, Aldous Huxley previu em seu livro distópico Admirável Mundo Novo, escrito em 1932, uma sociedade perfeita, com castas, sem vínculos afetivos e familiares, onde seus membros dedicavam-se plenamente ao prazer e ao consumo e onde as sociedades tradicionais eram vistas como “selvagens”.

Para que possamos começar a entender porque nossa sociedade dá tratamento privilegiado aos crimes automotivos e aos automóveis, vamos avaliar a base desta questão.

Observe o tamanho e o poder da Indústria que orbita em torno do automóvel. São petrolíferas, metalúrgicas, montadoras e todo um conjunto de atividades econômicas que circundam estas potências de Capital Intensivo. Esta Indústria emprega milhões de pessoas e possuem uma participação significativa no PIB dos países onde estão instaladas. São vistas pela ótica capitalista como de extrema importância para as nações onde estão instaladas, mesmo que os custos sócio ambientais sejam maiores, estes curiosamente não fazem parte da avaliação.

Por conta desta cadeia industrial já tivemos guerras, e todo tipo de jogo do poder para subjugar tanto o consumidor como os produtores de matéria prima, o primeiro que não deve enxergar o verdadeiro custo do seu automóvel e o segundo que não deve enxergar a verdadeira importância e custo social de suas matérias primas. Transformar os produtores de matéria prima em consumidores do produto acabado é o objetivo  primordial de qualquer indústria. Quanto mais se consome, menos se pensa, e o capital concentra-se no meio, no intermediador das pontas, curiosamente oposto à Internet onde seus valores estão nas pontas.

Neste sistema, a publicidade hoje trabalha na percepção, no fazer sentido, na esfera do parecer, não se vende mais um produto com foco em seus atributos e qualidades e sim nas supostas emoções e fantasias que este produto poderá proporcionar. Indústrias não fazem publicidade para mostrar as vantagens de andar a pé ou de bicicleta da mesma forma, o fazem da forma antiga, focando nas qualidades e não na fantasia e emoções.

Na construção distorcida da realidade por conta de tudo que falei acima, possuir um carro dá ao proprietário a percepção de poder, de status, leva ele para o mundo maravilhoso da fantasia, mesmo que ele seja dono apenas de uma mínima parcela, o Banco que financiou seja o verdadeiro dono do “mimo”.  Este tão almejado símbolo de status faz com que muitos “possuam” carros que muitas vezes custem mais que suas próprias casas! Não podemos esquecer que os bancos fazem parte deste sistema, e que são eles na verdade o maior proprietário de automóveis.

Todo este interesse e poder agora desnudados nos fazem perceber o quanto seria difícil admitir que um carro seja uma arma e que em caso de acidente o motorista seja considerado um criminoso tal qual se tivesse portando-a. Se assim fosse não seria possível vender a fantasia de possuir um carro. Sendo este uma arma, muitos iriam desistir de comprar um carro por conta dos riscos de dirigi-lo. E por fim para dar uma sensação de justiça neste sistema perverso de valores, temos a indústria da multa que terceiriza a responsabilidade do motorista, fazendo-o crer que se não dirigir alcoolizado ou rápido demais não estaria pondo em risco a vida de ninguém…

Mantras da irracionalidade – direito autoral

Você já parou para pensar sobre o direito autoral e a propriedade intelectual? Bom eu venho pensando muito a respeito há anos, e tenho chegado à conclusões surpreendentes, verdadeiras aberrações que são aceitas e replicadas pela sociedade como verdadeiros mantras da irracionalidade, aqueles mantras que foram imputados em sua mente por muito tempo, pela grande e dominadora mídia, e hoje você os repete sem pensar e com toda convicção. Você não os repete?  Ótimo, então vamos à algumas provocações:

  • Se um acadêmico não é remunerado permanentemente por uma Tese, porque o autor de um livro tem de ser?
  • Se um publicitário não é remunerado permanentemente por uma peça que criou, porque o produtor de cinema tem de ser?
  • Se um engenheiro não é permanentemente remunerado por um projeto que ele fez, porque o musico tem de ser?

Quando um engenheiro faz um projeto, ele assina a responsabilidade por ele, seja este engenheiro independente, funcionário ou responsável por uma Empresa. Este projeto tem um preço que é ditado por um mercado e é pago na forma combinada apenas uma vez. E por toda vida, este engenheiro pode ser responsabilizado por algum dano que seja comprovado como falha de projeto, e isto pode ter custos indetermináveis. Por outro lado, o músico não tem este risco enorme, afinal qual a chance de sua música provocar dano à alguém? Se ele não falar mal de ninguém e nem criar polêmica com a letra e não copiar outro músico, o risco é zero. Quando acaba um projeto o engenheiro já tem de estar fazendo outro, a vida dele é fazer projetos, ele se remunera por um projeto atrás do outro, até que chega ao fim de sua carreira. A partir dai ele vai ter de viver com suas economias, e sua pensão do INSS, e se foi previdente, da sua previdência privada. Com o músico é diferente, ele tem todos estes direitos do engenheiro e ainda tem a chance de criar “projetos” que irão sustenta-lo e a sua familia por muitos anos. Entendemos que cada música é um projeto, ou cada CD, e suas músicas proporcionam renda através de shows e da venda de CDs e faixas avulsas, mas não é só isto, tem mais!

Temos no caso da música o ECAD, que é uma entidade que fiscaliza e taxa qualquer estabelecimento que ouse tocar música! Não sei se existe transparência nesta arrecadação e nem se tem garantia de que todos os músicos serão remunerados de forma justa. Para mim o ECAD é uma aberração socialmente aceita, os estabelecimentos estão divulgando a música e ainda pagam por isto! Mas imaginemos se tivesse um ECAD na engenharia. Ele iria avaliar uma obra e cobraria uma taxa pela provável utilização dos projetos, ou seja, cada vez que um projeto fosse consultado, la estaria o ECAD da engenharia cobrando mais um níquel, acharíamos isto normal?

Acadêmicos investem anos de suas vidas em estudos e pesquisas, produzem teses e mais teses que são largamente utilizadas pela sociedade e industria de modo geral, algumas destas teses se transformam em livros, mas é a excessão e não a regra. Os resultados das pesquisas são utilizados em benefício da sociedade, são de fatos uteis em todas as esferas da humanidade, seja na economia, na saúde, educação, poder público, e etc.. A remuneração do acadêmico em geral vem das universidades, e de bolsas de pesquisa, e quando se aposentam tem o mesmo destino do engenheiro que citei logo acima. Quanto ao ECAD da academia, bom imagine você mesmo…

Mas e os autores de livros, bom assim como os músicos e pintores eles possuem o dom da arte, autores trabalham bem para escrever livros, não posso negar, mas nem todos os autores são realmente autores de seus livros, mas isto é outro papo. Por este livro o autor recebe a remuneração da sua venda, e também de palestras e eventos que participa. E quando se aposenta tem os mesmos direitos do engenheiro e do acadêmico, e ainda recebe os direitos por seus livros por muitos anos. Ainda bem que não tem ECAD dos livros, mas ja tem gente pensando em criar algo parecido e cobrar uma taxa das copiadoras…

Bom não vamos falar de publicitários e cineastas, seria mais um parágrafo comparando laranjas com maças, e daria mais trabalho para a minha conclusão, então vamos falar dos pintores de arte.

O pintor de arte ganha dinheiro vendendo suas obras, a atendendo à pedidos especiais, e ganha uma remuneração do “ECAD” dos pintores cada vez que alguém admira suas obras… ué? Não é assim não? Mas pô! Pintor não é artista? Porque este preconceito?

Bom que tem o músico e o autor de livro que o engenheiro, acadêmico e pintores de arte não tem? Vamos dar um tempo para você pensar…. pensou?


Uma indústria intermediadora! Afinal lançar livros e discos tem um alto custo e demanda uma forte estratégia de marketing, por isto que os intermediários ficam com pelo menos 90% da arrecadação. Isto se justificava no século passado, antes do advento da Internet. Nos anos 80 os equipamentos e a produção de um disco eram impossíveis às pequenas bandas e livros tinham altos custos de diagramação e impressão.

Hoje pequenos estúdios que custam menos de R$ 100,00 a hora podem produzir CDs com ótima qualidade e temos a Internet para divulgar o trabalho, então para que precisamos das gravadoras? Nos não precisamos, quem precisa são os dinossauros, os músicos desconectados, os músicos da antiga. É importante lembrar que se você tem mais de 16 anos, então você é um imigrante digital, e para ser entendido precisa falar com os dois mundos.

Gravadoras são poderosas, movimentam verdadeiras fortunas, segundo o relatório mais recente da APBD, no ano passado (2009) o mercado movimentou R$ 358.432 milhões com a venda de música nos formatos físicos (CD, DVD e Blu-ray) e formatos digitais (via Internet e telefonia móvel), e registrou um crescimento de 159,4% das vendas digitais via Internet, e ainda reclamam. E segundo a IFPI, neste mesmo ano o mercado fonográfico girou U$ 140 bilhões, ou quase 5% do PIB Brasileiro no mesmo período, e ainda culpam a pirataria por não arrecadarem mais, pois sim

Com este dinheiro todo eles tem um poder gigantesco e esta é a unica explicação para esta diferença entre o tratamento dos nossos atores aqui citados, mas afinal estamos aqui defendendo o direito autoral pô! Como assim? Olha aquele disco ali em cima, o suposto direito autoral que falamos é na verdade o direito do intermediário sobre os direitos do autor, e este em muitos casos não tem nem o direito de reproduzir suas próprias músicas, o Teatro Mágico que o diga…

Pois é e olha que eu ainda não entrei na questão da propriedade intelectual! E nem vou. Para isto pretendo fazer outro texto educativo como este, por enquanto vamos jogar pedras no meu blog, que venham os comentários!

 

Wikileaks, Payback e o oportunismo do tripé do atraso

Quem imaginaria que o Wikileaks, um site criado há quatro anos provocaria uma revolução nas relações diplomáticas ao tornar público documentos de diversas embaixadas, em especial a dos Estados Unidos. A divulgação dos últimos “cables“, respingaram a diplomacia Brasileira colocando em xeque a idoneidade do Ministro da Defesa Nelson Jobim. As informações divulgadas também deixaram o ex-presidenciavel José Serra em uma situação delicada, uma vez que Patrícia Padral, diretora da americana Chevron no Brasil afirmou que ele mudaria as regras do pre-Sal se fosse eleito.

As revelações seguem cumprindo seu papel social, citando fatos menores envolvendo o Brasil. Por conta das revelações a Pfizer tirou correndo dois medicamentos de circulação. Isto sem contar com a pressão pela criminalização do MST.  Muitas revelações ainda estão por vir, e é importante lembrar que uma única edição de domingo do The New York times possui mais informações do que um homem que viveu durante o Iluminismo conquistou durante toda a vida. O WikiLeaks, sozinho, já publicou mais documentos secretos do que toda a imprensa mundial junta.

Esta transparência que desnuda a diplomacia mundial provocou o pânico e a ira do alto escalão estadunidense, que deu inicio à uma perseguição implacável e desproporcional ao Wikileaks e a Julian Assange seu fundador. Inicialmente tentando sufocar a organização bloquando suas receitas no PayPal e nos cartões de Mastercard e Visa. Posteriormente pressionou o EveryDNS para deixar de responder para o dominio wikileaks.org e ao mesmo tempo fez com que a Amazon deixasse de hospeda-lo em sua nuvem elástica. A ofensiva segue permeando a web e provocando bloqueio, muitas vezes involuntário ao acesso ao Wikileaks e seus mirrors através de denuncias às principais bases de dados que alimentam as feramentas de controle de acesso, como a usada no SERPRO, e em diversas universidades e empresas do mundo todo. Neste meio tempo Assange entregou-se em Londres, procurado pela Interpol sob uma ainda controversa acusão de crime sexual, tornando-se o primeiro preso politico global da Internet.

Toda esta pressão motivou uma forte ofensiva denominada “Payback” (dar o troco) que vem deflagrando ataques de DDoS (Distributed Deniel of Service – Negação de serviço distribuída), aos sites que bloquearam o Wikileaks. É importante deixar claro que o ataque de DDoS não configura uma invasão, fazendo uma analogia é como se uma multidão ficasse parado na porta de uma empresa, de modo a bloquear o acesso à esta.

Como era de se esperar, a operação PayBack deixou o Tripé do Atraso em polvorosa, dado a dimensão e quantidade de fatos que podem ser explorados por aqueles que desejam controlar a Internet. A estratégia usada por eles é a velha conhecida, de confundir e desinformar, colocando Wikileaks, Assange, PayBack e ataques hackers em um só lugar, e intencionalmente colocando hackers e crackers como sinônimo, com o objetivo de criminalizar o movimento social que é o hacktivismo. Este mecanismo pode ser claramente percebido no trecho abaixo, retirado do discurso que o Eduardo Azeredo fez ainda como senador no dia 09/12:

[..]– a proposta de combate aos crimes digitais, que tantas vezes me trouxe a esta tribuna. Trata-se de um texto que construímos democraticamente e que modifica e amplia leis brasileiras, no sentido de modernizá-las e de tipificar treze novos delitos cometidos com o uso das tecnologias da informação.

Esse debate é de suma importância. Os delitos cibernéticos crescem exponencialmente no Brasil e no mundo, e a questão precisa ser tratada com seriedade sem histrionismos, sem redução do debate ao nível do baixar músicas ou de falsa ideia de censura. Já basta. Vamos retomar esse assunto da forma séria como ele merece.

Estamos vendo aí, agora, do ponto de vista internacional, os hackers invadindo os sites da Mastecard e da Visa. No Brasil, hoje, já existe uma utilização em massa de cartões de crédito. Estamos todos vulneráveis aos hackers, que não podem ser punidos porque o Brasil não tem tipificação de crimes cibernéticos.

Nós já fizemos a nossa obrigação aqui no Senado, já aprovamos o projeto, mas ele também permanece pendente de uma decisão da Câmara, com interpretações errôneas e que são, como eu gosto de dizer, de um nível que não compete, que não pode ser aceito, pois se diz que vai se criminalizar a questão de baixar música, quando não existe nada em relação a isso no projeto. E esse assunto já é tratado na Lei de Direitos Autorais.[..]

Como todos podem perceber, o Azeredo esta falando ai do AI5 digital que além de não cumprir  que promete, traz enormes danos à Internet como a conhecemos hoje, uma inédita e potente ferramenta democrática, e refere-se aos ataques de DDoS como invasão, o termo ataque em sí já é um equivoco.

O PIG também aproveitou a situação, alguns veículos se preocuparam em dar mais visibilidade aos ataques do PayBack do que a questão central e os detalhes dos telegramas vazados e a prisão de Assange. Curiosa e divertida foi esta entrevista que a radio CBN fez com o advogado Amaro Morais e Silva Neto, preste atenção na insistência da entrevistadora em querer trazer o tema para uma ótica pró AI5 digital e veja as respostas do Amaro, é de lavar a alma de qualquer ciberativista.

Conectando os fatos

Pablo Ortelado ressaltou que precisamos ficar de olho nos documentos vazados pela Wikileaks: O jornal inglês The Guardian soltou uma lista com as tags de todos os telegramas das embaixadas americanas que foram vazados. Cruzando os dados com duas das tags KIPR (Propriedade Intelectual) e BR (Brasil) chegamos a cerca de cem documentos que certamente delimitam as estratégias dos EUA para promover políticas de propriedade intelectual no Brasil. Até o momento, nenhum desses documentos foi lançado, mas podemos ter notícias nos próximos dias. A lista dos documentos já é indicativa do que virá. O documento mais antigo é de 26 de setembro de 2003 e o mais recente de 21 de dezembro de 2009. A fonte dos documentos são telegramas da embaixada de Brasília e do consulado de São Paulo, mas há também um do consulado do Recife (de 10 de maio de 2007) e um da embaixada de Ottawa (de 7 de maio de 2007). Muitos documentos se concentram no período de maio a agosto de 2006. Pedro Paranaguá lembra que este período antecedeu a licença compulsória do Efavirenz, da Merck.

Começamos a entender a razão de tanta preocupação, certamente alguns destes telegramas devem revelar detalhes relacionada ao AI5 digital, como já é revelado no Relatório 301 do USTR, confirmando o que todos já sabemos, o AI5 digital serve aos interesses da “Máfia autoral” e dos Bancos. Alias segundo Laerte Braga existem diversos projetos de lei similares ao AI5 Digital mundo afora, que foram produzidos em Washington. Mas a questão não para ai, além do risco das próximas revelações desqualificarem definitivamente o AI5 digital, podem colocar o ACTA em cheque . Com isto começa a ficar claro a razão da desproporcionalidade da reação aos vazamentos do Wikileaks. Veja que a minha tese já começou a confirmar-se, uma vez que os vazamentos da Wikileaks livraram a Espanha de uma lei contra o P2P.

As reações e final imprevisível

A reação ao Wikileaks esta numa balança que pode pender para grandes modificações nas relações diplomaticas e nos valores existentes ou deflagrar uma insana caça aos direitos fundamentais na Internet. Alguns especialistas acreditam que as relações diplomáticas não necessitam de transparência, outros como Manuel Castells alertam que o que esta em jogo é o poder, e a comunicação é o poder.

Um excelente e breve artigo na Revista Forum apresenta um final imprevisivel:

[..]Começam a se inverter as posições no conflito entre o governo dos Estados Unidos e a organização WikiLeaks, fundada pelo australiano Julian Assange. Do jornalista americano Jay Rosen, professor da Universidade de Nova York e crítico de mídia, ao presidente do Brasil, Lula da Silva, passando pelo jornal britânico The Guardian, cresce o movimento de apoio ao WikiLeaks, ao mesmo tempo em que surgem as primeiras análises sobre o papel da imprensa na fiscalização do poder.[..]

[..]Como já se afirmou neste Observatório, o fenômeno WikiLeaks pode estar inaugurando um novo tempo. Contra todos os prognósticos, o exército de Brancaleone pode ganhar essa guerra.[..]

Uma possibilidade preocupante, quase apocaliptica é exposta pelo Ronaldo Lemos, que cogita que o governo estadunidense pode simplesmente tirar qualquer dominio do ar via ICANN. Neste caso, ja temos de pensar já em alternativas para a questão de nomes, e DNS, configurando uma Internet alternativa.

Recomendo a leitura do artigo completissimo: WIkileaks e os conflitos no ciberespaço – parte 1 e parte 2

Crédito das Imagens:

Desculpe, mas eu te enganei este tempo todo…

Quem não perde o chão com uma confissão destas? Dá logo um frio na barriga, a testa começa a transpirar, as mãos ficam geladas, a respiração forte e o coração parece querer sair pela boca. A expressão de incredulidade se mistura com a do ódio, o chão desaparece e você sai juntando os cacos, porque suas convicções acabaram de se despedaçar.

Se você passa dos trinta, só usa a Internet para funções básicas e costuma pautar suas opiniões pela mídia recomendo que pare de ler este post agora ou prepare seu coração para a revelação que vem a seguir.

Antes do advento da Internet quase todas as informações nos chegavam pela mídia, rádio, TV, jornais e revistas, e alguma informação exclusiva do papo de bar ou de algum amigo bem informado. Não existia comunicação em rede, a maioria das informações nos chegavam via veículos de massa. Nossas escolhas se davam entre poucos veículos, e a diversidade era praticamente nenhuma. Em linha gerais elegíamos nossos veículos de confiança e pronto, não existia como confronta-los para saber se determinada informação era plausível e correta ou não, tinhamos de confiar, éramos da geração cultura da confiança.

Para esta geração os assuntos giram em torno dos fatos apresentados pelos veículos da grande mídia, as opiniões sempre dadas por especialistas no tema, e raramente se questionava o grau de conhecimento dos especialistas e a imparcialidade do veículo, a geração da confiança acredita nos seus e pronto. Bastavam que dois veículos de confiança apresentassem a mesma posição à cerca de um tema e pronto, era a verdade absoluta!

Mas o quanto se pode confiar neles de fato? Para isto temos de voltar para o início da década de 60, quando houve o Golpe de 64. Muitos veículos foram úteis para criar um clima favorável ao Golpe, seja por inocência ou por interesse, e muitos veículos e grupos de comunicação cresceram exponencialmente durante a ditadura.

Dentro das estratégias dos golpistas, havia uma necessidade de levar rápida e eficientemente informação e entretenimento à maior parte da população, foi nesta época que foram instaladas o maior número de repetidoras de TV, e enquanto a venda dos aparelhos de TV disparavam o preço do aparelho despencava, a razão manifesta era para a nação torcer na copa da 70. Todos juntos vamos pra frente Brasil…. Brasil Ame-o ou deixe-o… Uma festa! mas a motivação latente, aquela que não se percebe de primeira, era manter o povo entretido e (de)informado enquanto as coisas aconteciam no alto comando lá no Planalto Central, e ninguém ouvisse os gritos vindo dos porões da ditadura ou questionasse suas motivações, tudo não passava de um maniqueismo fantasioso bem planejado para a implantação da Ditadura.

A estética sempre foi um fator aliado à confiança, veja por exemplo o Manifesto porta na cara, quanto melhor a estética maior a confiança, dai a necessidade de estabelecer um padrão de qualidade como nos mostra o documentário Muito Além do Cidadão Kane, a manutenção de um padrão de qualidade esta intimamente relacionado à seriedade e confiabilidade. Não vá me dizer que aquela revista semanal em papel couchê com fotos bem feitas, diagramação impecável e infográficos lindos não parece mais confiável que outra publicação feita em papel reciclado e com tinta a base de soja, e é justamente o contrário! Eu não quero dizer que não se tenha de investir na estética, mas é justamente neste caminho que os veículos se distanciam e o problema não é necessariamente a estética e sim a percepção, a relação latente que se tem com ela, e é ai que o Brasileiro entra bem. Esta relação com a estética, entretenimento e informação atuam na nossa subjetividade, é quase um canal subliminar para manipular-nos.

Estas estratégias aliadas a tantas outras que foram apontadas pelos grandes filósofos da comunicação transformaram a comunicação e uma arma, junte isto à cultura de consumo de Victor Lebow e presto! Conseguimos tudo, o povo vai estar bem ocupado neste ciclo vazio e irracional e nos do poder podemos nos manter seguros onde estamos.  Se estes detentores do quarto poder tivessem um ataque de sinceridade eles falariam para você: Desculpe, mas eu te enganei este tempo todo…

Sinto muito meu amigo, você chamava seu filho, sobrinho ou seja lá quem for de alienado só porque ele ou ela passavam muito tempo frente ao computador, agora vai ter de admitir que alienado era você, afinal acima de tudo também não via nada de errado em passar muito tempo em frente a TV ou lendo jornais coloridos e revistas em papel couchê não é?

Uma nova sociedade esta surgindo com o advento da Internet, esta maldita Internet segundo o tripé do atraso, esta sociedade conectada não assiste muito TV, não gosta nem de jornais e nem de revistas, mas nem por isto é desinformada, é alias muito mais bem informada que você. Eles nasceram e cresceram no meio de uma tsunami de informação, dentro de uma cultura da abundância e entendem o ciberespaço como uma extensão de sua memória. Esta nova geração lê muito, aprende muito, debate muito, mas tudo na tela, no metaverso, no reverso da lógica e na contramão do passado. Não confiam em nada e nem ninguém, suas relações se dão por muitos laços fracos, suas convicções por muita desconfiança e suas amizades por afinidade ideológica. Como bom espécime da pós modernidade este novo individuo se permite mudar de opinião quantas vezes julgar necessário. A construção de seu conhecimento e sua subjetividade se dá através da comparação, faz uso da inteligência coletiva como se fosse sua, e no fim chegam a uma conclusão que pode mudar mais adiante sem culpas nem ressentimento, eles são a geração da cultura da desconfiança.

Por fim, a mídia como conhecemos precisa se reciclar, ela sempre focou na mensagem média para o usuário médio padronizado, mas em tempos de cauda longa o que mais temos é a diversidade, clusters e mais clusters com participantes tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais e igualmente voláteis e nem tão volúveis como se imagina. Se a mídia não se reciclar ela se tornará obsoleta quando a geração da cultura da confiança for maioria, daqui pouco menos de duas décadas…

Recomendo a leitura do meu artigo: A matriz de forças da sustentabilidade na página 37 da edição 17 da Espirito Livre.

Marco Civil na comissão de cultura da ALERJ

No último dia 29 de abril participei de uma audiência pública da Comissão de Cultura da ALERJ, à convite do Deputado Alessandro Molon (Presidente da Comissão de Cultura), sobre o Marco Civil da Internet. A audiência pública durou em torno de quatro horas, e este vídeo apresenta um brevíssimo resumo em pouco mais de três minutos do que foi falado, e um post no blog do deputado dá uma panorâmica mais completa:

No momento em que o Deputado Alessandro Molon me concedeu a palavra eu ainda estava terminando de “organizar as idéias” mas mesmo assim falei dos aspectos práticos, econômicos e sociais da Internet, ou seja, mais ou menos isto já incluindo alguns detalhes que esqueci de falar:

Inicialmente agradeci ao Senador Eduardo Azeredo, pois o projeto de lei 84/99 (cibercrimes – AI5 Digital) de tão nocivo à Internet fez a sociedade civil sair de sua zona de conforto e mobilizar-se para combate-lo. Com isto uma nova e interativa relação do legislativo com a sociedade foi estabelecida, levando ao Marco Civil da Internet, como uma forma de proteger a neutralidade e liberdade da rede.  O Marco Civil vem sendo visto como um modelo de hiperdemocracia, chamando a atenção do mundo inteiro por seu caráter progressista e inovador.

Aqueles que querem controlar a Internet, o tentam através de falácias para justificar projetos como o AI5 digital, a convenção de Budapeste e o ACTA, na verdade propalam que a Internet é uma rede sem controle, sem leis. Eles eu identifico como o tripé do atraso composto pelos neoludistas, a mídia e a indústria do copyright, deixando clara as reais intenções do controle.  Em seu livro Protocol, o professor da Universidade de Nova Iorque Alexander R. Galloway, prova que a Internet é uma rede de controle, que todos deixam rastros claros de suas atividades na rede, ou seja não é necessário criar mais uma camada de controle.

A Internet é sem dúvida um grande agente transformador, estamos frente à revolução informacional, um novo capitulo após a revolução industrial, mas que esta sendo escrito de forma diferente. A Internet com sua comunicação em rede e suas relações horizontais confronta com o velho modelo Fordista de uma relação vertical e comunicação centralizada. Diferente da revolução industrial onde poucos produzem e muitos consomem, na revolução informacional praticamente todos produzem e consomem ao mesmo tempo, são os chamados prosumers. A figura do intermediário vem perdendo espaço, e a abundância vem sufocando a cultura da escassez. A Internet vem permeando cada vez mais o tecido social, estamos partindo para a Internet das coisas, onde a ubiquidade dos dispositivos já a torna invisível, e nos torna cada vez mais conectados.

Apesar de todos os ataques do tripé do atraso, a Internet nada mais é do que uma apropriação da sociedade de uma nova tecnologia, deixando de ser uma rede de computadores para ser uma rede de pessoas, e por isto herda defeitos e qualidades destas. Explicável pela teoria da cauda longa, velhos valores vem sendo resgatados tais como a solidariedade, a colaboratividade, generosidade, debate, inclusão e participação. Só para citar algum destes exemplos posso falar do Projeto Enchentes, Veia Social e Eleitor 2010, mas existem muitos outros.

Bill Gates atribui seu sucesso à plataforma livre do IBM PC, a IBM por não acreditar no PC, não patenteou sua tecnologia, deixando um modelo aberto que pavimentou a história de sucesso da Microsoft. A Internet também é uma plataforma livre, e desde que se tornou comercial vem sendo apropriada e utilizada de diversas formas pelas pessoas, que estão produzindo numa velocidade nunca antes vista uma profunda mudança não só social, mas também econômica e cultural. Ninguém ainda sabe ao certo onde esta mudança nos levará, mas para Douglas Rushkoff professor da Universidade de Princeton e autor do Livro Life Inc, o dinheiro é o sistema operacional do capitalismo, e esta prestes a ser trocado graças a um mundo “internetizado”.  O Brasileiro é um povo extremamente criativo e empreendedor, exemplos como o Videolog para comparilhamento de videos que foi criado muito antes do Youtube, Camiseteria com seu modelo de negócios participativo, e o Boo-box que apresenta um modelo totalmente inovador de negócios com braços no exterior, são apenas alguns exemplos do potencial Brasileiro. Então fecho minha participação com uma afirmativa: Se alguem tem de descobrir o novo modelo de negócios da revolução informacional, que este alguem seja Brasileiro, e para isto temos de fazer de tudo para manter a internet o mais livre e neutra possível.

Notas: Foto montagem retirada do blog do Deputado Molon

Update 21/05/10 – Inclusão do video de minha participação

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