O ano era 1997, o acesso à internet ainda era via dial up com tarifas altíssimas e contratos de acesso com limites de horas/mês muito baixos, para você ter uma idéia eu pagava R$ 84,00 por 16 horas de acesso mensal. A internet era praticamente assíncrona, a mais eficiente forma de interação e conversações eram as listas de discussão, eu participava da lista WD Design. Eu tinha uma das pioneiras produtoras de Internet, a Página Principal, e havia utilizado o Flash para criar um site de um cliente, e me apaixonei pela ferramenta a ponto de me tornar um verdadeiro evangelista. Ajudava todo mundo na WD Design, mal sabia eu que estava fazendo um ótimo networking.
Na verdade a Internet nesta época era uma infindável mina de ouro, e quase não existia conhecimento sistematizado sobre o tema, e tudo que era necessário saber encontrávamos na web e compartilhávamos sem pudor algum. Estávamos juntos numa caça ao tesouro em um campo aparentemente infinito. Diariamente profissionais das mais diversas áreas deixavam seus trabalhos para se dedicarem à Internet, mas isto não nos preocupava, pois era muito fácil fazer dinheiro na web.
Logo depois que terminei o tal site ai de cima, mandei um email para a Macromedia, elogiando o Flash e em menos de uma semana o Country Manager da Macromedia no Brasil (Eduardo de Souza) estava sentado na minha frente me abrindo um mundo de possibilidades, dai perguntei: – Me diga uma coisa, qual destas oportunidades demandam um baixo ou nenhum investimento ? A resposta veio rápida: – Grupos de usuários.
Pronto! Estava criado o Flash Brasil, Fernando Ferreira, um amigo e ex-aluno (eu dava aulas particulares de Flash em domicilio) criou uma lista de discussão exclusiva para o Flash Brasil e me obrigou de todo jeito a registrar um domino próprio. Logo em seguida fomos convocando os interessados nas listas de discussão, que como falei eram as redes sociais da época, ao menos no tocante interação, crowdsourcing e disseminação (rolou um dejavue ai?).
Nossa primeira missão coletiva seria traduzir o tutorial do Flash 2, que era bem legal, tivemos colaboradores de diversos estados Brasileiros e um ilustre e participativo colaborador de Portugal, José Reis que meses depois criou o Portugal Flash Clube.
O Balde ao lado continha todo o time dos fundadores e apoiadores do Flash Brasil na época, a montagem foi feita pela Artista Plastica Sonia Ro, e o logo foi uma criação do Designer Fábio Carvalho. Na foto tem dentre outros, Eu, o Fábio Carvalho, a Sonia RO, Keka Marzagão, Andrea Cals, Jorge Carcavallo, Fernando Ferreira, André Franco e Regis Paixão (Stereoman) e o “Flash Gordon”, se você se achar no balde avise-nos.
Pouco tempo depois minha vida mudaria, e eu não havia imaginado e nem planejado nada, foi tudo acontecendo como conseqüência do networking que eu havia iniciado meses antes. Fui convidado pela Macromedia para ser um dos beta tester do Flash 3, a nova versão do Flash, e logo que foi lançado pude tornar isto público. Não demorou muito recebi um convite da Agência digital mLab (que não existe mais) para treinar toda sua equipe de web, na semana seguinte um convite da TV Globo para treinar sua equipe de web, e logo em seguida fui para a FENASOFT a convite da Macromedia para falar do novo Flash 3, fui de ônibus para economizar. Ao chegar lá recebi um convite da ENG para dar treinamento em Flash 3, e foi uma semana de uma rotina alucinante, curso de dia e FENASOFT à noite. No fim, com um bom resultado resolvi voltar de avião, mal sabia eu que estava iniciando a fase mais “voadora” da minha vida.
Voei por todo o Brasil, e dei cursos em diversas cidades: Porto Alegre, Joinville, Jaraguá do Sul, Curitiba, São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Vitória, Belo Horizonte, Porto Seguro, Salvador, Vitória da Conquista, Recife, Manaus e por muito pouco não fui dar um curso em Angola. Neste meio tempo ainda fui em São Francisco na sede da Macromedia e na UCON 99, e em Nova York na UCON de 2001.
Voltando à 97, um jornalista de uma revista de TI entrou em contato comigo para ajuda-lo em um artigo sobre o ainda pouco conhecido Flash, ajudei o quanto pude e ao sair nas bancas pude ver o quanto ele citou o Flash Brasil e a mim na matéria, estava me tornando uma celebridade e não sabia. Ele me indicou ao Jornal O Dia para uma matéria no caderno de informática, foi uma longa entrevista com muitas fotos, dentre os assuntos informados, citei que teríamos nosso segundo encontro de usuários na Universidade Carioca (que gentilmente cedia o espaço com toda a infra-estrutura) como no primeiro não tivemos nem 20 participantes, no segundo alocamos uma sala menor. Eu nunca havia percebido o poder de um hub como o Jornal O Dia, mas tivemos mais de 400 participantes, radio CBN e outras coisas mais, e o numero de usuários no site saltou de 50 para 4000 em poucas semanas. Dai foi a TV (GNT) programa Hipermidia que me entrevistou junto com o Eduardo de Souza, fui parar na TV e alavancamos um sucesso exponencial. Neste meio tempo, criei em 98 a Arroba Brasil, a empresa que foi apresentada ao público com o nome fantasia de Flash Brasil, e que seria por alguns anos um dos mais importantes parceiros comerciais da Macromedia no Brasil.
Mas e as mídias sociais ? Como assim? Tudo foi uma conseqüência delas, e tudo ficou grande, a lista de discussão tinha milhares de usuários, uma intensa troca de conhecimento, uma gigantesca conversação, o site abrigava diversos tutoriais e outras coisas legais, e eu começava à entender que treinar pessoas em web e vender software da Macromedia seria um bom negócio.
Resolvi juntar tudo no site, o acesso a internet continuava via dial up, mas ao menos já existiam os planos de acesso ilimitado e isto começou a mudar o paradigma, tornando o browser uma ferramenta mais interessante para interagir na web, do que o outrora mais usado cliente de email.
Eis que surge o ICQ (o meu é 5277707), um fabuloso software Israelense que permitia uma comunicação síncrona e juntar diversas pessoas formando uma sala de chat a qualquer momento. Estávamos ai com uma nova e poderosa ferramenta de conversação, o grupo agora se reunia via ICQ e as coisas começaram a acontecer mais depressa. Neste momento o hábito de virar a noite na Internet se consolidou, como a tarifa telefônica era barata de meia noite às 6h, era neste período que encontrávamos todo mundo online, a olheira passou uma característica Nerd. Foi desta forma que tocamos nossos projetos, a tradução dos manuais do Flash, o “mega fail” projeto Blindness, a famosa entrevista com o Gabocorp feita pelo Nando Pereira, e até o primeiro banner falante do Brasil.
Bom, um dia eu peguei o site do Flash Brasil, que tinha apenas tutoriais e coisas legais e um link para cadastrar os usuários na lista de discussão e coloquei la um link para meus cursos, e uma promoção de software. Estava inaugurado um novo modelo de negócios que chamou a atenção da Macromedia, que acabou me convidando para a UCON 2001 em NY (montagem ao lado), com tudo pago, para explicar aos lideres de grupos de usuários de todo o mundo o modelo de negócio que havia inventado. Pensei eu, ué? Mas não fiz nada demais, apenas juntei tudo em um site e está dando certo. Fui lá, falei, e eles me ouviram e me entenderam, caramba! Na hora do almoço fui interpelado pelo Christel De Mayer, empreendedor Belga que ficou pasmo de saber que no Brasil ja existia banda larga, que na Bélgica ainda era muito dificil! Depois assisti à diversas palestras, do Hillman Curtis, Linda, e finalmente de “um tal de Steve Krug” que falava do seu novo livro e de uma tal de Usabilidade, o dia seguinte o tema reinante era este, usabilidade, acessibilidade. Comprei o livro de Krug, e ainda ganhei uma dedicatória. Na volta ao Brasil, como ele mesmo recomenda no livro, o li durante a viagem.
Chegando aqui, dei três palestras no 2º Encontro de Web Design, uma delas sobre Usabilidade. Tive um quorum relativo, e certeza de que passei a mensagem, mas nunca mais encontrei ninguém que assistiu minha palestra, eu fazia uma analogia com a mobilia de um escritório, foi legal. Meses depois Bin Laden resolve bagunçar tudo, e com a queda do World Trade Center, milhares de empresas de Internet ruiram juntas. Eu não fiquei de fora, mas ainda fiquei sobrevivendo por alguns anos, mas nada mais era como antes, o cinto apertou, a mina de ouro secou.
Quando Tim O’Reilly lançou um evento chamado web 2.0, eu não dei muita importância, vi apenas que era um evento sobre tendências na internet, e o termo web 2.0 passou a ser usado como a “nova internet”, a internet onde o usuário era o elemento mais importante. Dai deu um estalo… Putz! Claro! Em 2001, com o conceito de usabilidade os caras sem perceber, ou percebendo, estavam mostrando um sinal, fraco, mas efetivo que determinaria uma mudança de paradigma: A web EGO centrada mudou para a internet centrada no usuário, mas isto não foi uma coisa instantânea, e nem foi determinada por ninguém. Simplesmente, a maior preocupação com o usuário levou à percepção de que ele queria mais do que ser um leitor passivo, e que não queria usar os formatos disponíveis de interação. Queria ser ele um produtor e consumidor de informação, logo depois surgiram termos como DIY, Prosumer, UGC e outros.
De 2000 à 2004 eu criei o Ultradev Brasil, um site com tudo que eu havia imaginado e aprendido com o Flash Brasil, usuários cadastrados poderiam submeter materias, e coisas legais sem intervenção dos moderadores, e ainda ganhavam pontos com isto, indicavam novos membros e ganhavam pontos. Os mais pontuados do mês ganhavam brindes como livros, softwares e gadgets que a Macromedia enviava. No Ultradev Brasil eu criei o conceito de regionalização, as pessoas tinham uma area especifica dentro do site, onde se conectavam e interagiam com outras pessoas do seu estado e geravam conteúdo local. Bom, ai a Macromedia decidiu fundir o Ultradev com o Dreamweaver e o site ficou assim, meio perdido e acabou…
Em 2005 decidi que era hora de fechar o Flash Brasil também, tirei o site do ar por 40 dias e tive de retorna-lo, pois recebi um monte de email me pedindo isto. Isto me fez pensar se eu realmente tinha o direito de tirar o site do ar, de forma prática sim, mas se eu levasse em conta que la tínhamos diversos conteúdos produzidos pelos usuários, e que o site ajudava milhares de pessoas todos os dias me vi num dilema. Dilema este que falei a respeito no primeiro Barcamp do Rio em outubro de 2007, sob o título: A crise existencial do conteúdo 2.0. Tentei levar o discurso para uma esfera mais filosófica, mas acabou ficando na técnica mesmo.
Ainda em 2005 eu fiz uma palestra online sobre a Dinastia do Flash no Brasil e la fazia em paralelo uma história da Internet no Brasil, se você leu até aqui, acredito que possa dispor de uma hora e meia para assistir a palestra, que de todas que dei, foi a que mais me emocionou, e você pode ver e baixar os slides se quiser.
Por enquanto é só pessoal!