Freguesia, a autofagia de um bairro

Em meados dos anos 70 quando me mudei para a Freguesia em Jacarepaguá, ainda era um adolescente da Zona Sul carioca e tive a certeza de ter me mudado para o “fim do mundo”. A sensação era como tivesse ido parar muito distante da civilização, cavalos, carroças e vacas disputavam as vias com os poucos carros… bicicletas eram o meio de transporte mais usado, e respeitado.

Nos finais de semana seguíamos tranquilamente de bicicleta pela Av Ayrton Senna, na época chamava-se via 9 e era de mão dupla, até o trailer Gavião na Alvorada, na época uma praia praticamente deserta na Barra, afinal nem ônibus passava lá. Na Freguesia existiam pouquíssimos prédios, a ponto da pessoa dizer que morava no prédio da rua tal (era o único da rua), a maioria morava em casa, casas com enormes jardins e pequenas florestas privativas, herança de quando Jacarepaguá era povoada de sítios e chácaras, quase todo mundo tinha piscina e alguns tinham quadras de esportes, era divertido viver ali. Os invernos eram bem frios, e os verões nem tão quentes, mas invariavelmente refrescados pelas chuvas no final da tarde, que sempre pegávamos na praia antes de voltar para casa.

O cinema era Cisne e o restaurante Sorvetex, não tinha shopping, nem nada, até que um dia surgiu ao lado do Carrefour o “Shopping Show”, fomos lá assistir ao show de inauguração em uma arena montada no estacionamento, com alguns novatos como a Elba Ramalho, com pernas lindas pelas quais logo me apaixonei. A partir dai o programa de final de semana incluía uma ida ao Barra Shopping cujo cinema não passava o pacote tríplice pornochanchada do Cisne, mas nos deixava mais próximos dos filmes exibidos nos cinemas da civilização, não precisar ir ao Cine Leblon para assistir a um filme novo já fora um grande avanço.

O progresso da região seguiu seu curso, não podemos dissociar a Barra da Freguesia, principalmente pela ótica do morador de Jacarepaguá que sempre teve a Barra como extensão de seu habitat. No final dos anos 80, a orla da Barra foi “urbanizada”, trailers foram retirados, incluindo famosos como o Via 11, e o Boa da Noite, calçadões com ciclovias substituíram o prazer de estacionar o carro na beira da areia, que insistia em invadir o asfalto. Duplicaram a Av. das Américas e criaram as pistas laterais, fizeram tanto aterro que imaginávamos que já estavam deixando os tuneis do Metrô ou que teríamos as passagens de nível previstas no plano Lucio Costa, mas nada disto foi feito…

Enquanto isto na Freguesia surgiam novos edifícios com amplos apartamentos, com o objetivo de atrair compradores, que invariavelmente procuravam casas.

No final dos anos 90, deu-se o inicio do fim, uma explosão imobiliária irresponsável e desmedida na Freguesia (Jacarepaguá), promoveu a aniquilação de casas com grandes terrenos amplamente arborizados, colocou em seu lugar gigantescos monstros de concreto armado que mudaram completamente o micro-clima da região. Agora mesmo em pleno inverno sopra um vento quente e irradia um calor intenso das ruas e dos monstros de concreto. Certamente iremos disputar com Bangu o “status” de região mais quente do município.

Como todo problema não vem desacompanhado, a concentração insana de pessoas, onde era uma casa agora é o habitat de dezenas de famílias, o número de veículos explodiu, que somados a péssimo e monopolista sistema de transporte público, imobiliza os habitantes da região em intermináveis e poluidores engarrafamentos. Uma rápida ida de 10 a 15 minutos ao Barra Shopping dos anos 80, pode significar até mais de uma hora atualmente.

Definitivamente a Freguesia esta se tornando uma região inviável de se morar e viver, e imagino que estamos a beira de uma crise imobiliária que no Rio terá inicio por aqui, jogando para baixo os preços dos imóveis da região, e nos tornando assim prisioneiros, pela simples inviabilidade financeira, de uma região da qual tudo de bom fora extraído.

Não estou preconizando uma crise imobiliária estou usando de fatos e observações para isto, basta observar a quantidade crescente de salas comerciais e apartamentos vazios na região, bem como a queda dos valores venais e/ou de aluguel. Compare isto ao cenário nacional, e veremos que uma grave crise acena, e uma crise que não tem como algoz o governo, como muitos querem fazer você acreditar, mas uma crise provocada pelos bancos e pela ganância imobiliária que tenta a todo custo sustentar uma bolha imobiliária insustentável, em especial na Freguesia, onde os preços subiram tanto que chegaram próximos aos do Recreio e Barra da Tijuca.

Se ainda assim não acredita em crise imobiliária, seguem alguns links:

 

 

 

8 respostas para “Freguesia, a autofagia de um bairro”

  1. Amigo, gostei de seu discernimento sobre a Freguesia do dias atuais, fazendo uma comparação com a Freguesia antiga, que vc morou e no qual estou há 50 anos. Será que poderia colocar essa sua postagem no blog da Freguesia com todos os créditos devidos?
    http://www.freguesiainfoco.blogspot.com.br

  2. Caro João, não morei, mas frequentei freneticamente a Freguesia, meu primo Almir morou lá e éramos amigos e parceiros de farra juvenil nos anos 80. De tanto frequentar, arrumei uma namorada no Pentágono e fiz meu grupo de amigos no bairro. Ao ler seu texto lembrei de muitos detalhes daquele período -inclusive lembranças sobre o Cine Cisne – e memórias boas surgiram sobre aqueles mágicos anos. Continuei frequentando a Freguesia até meados dos anos 90. Depois, nunca mais. Recentemente estive no bairro e fiquei horrorizado com a destruição da região. Quase não reconheci, pareceu-me desfigurado. Era tão aprazível, com uma dinâmica de funcionamento urbano que aproximava as pessoas. Arejado é intenso. Tardes intermináveis jogando botão, andando livremente de bicicleta, tomando banho de piscina ou jogando bola na rua apenas existem nas memórias de quem já envelheceu. Triste Freguesia.

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