Zero-rating e a criação de castas digitais

A neutralidade da rede teve um dia especialmente dedicado durante o último Fórum de Governança da Internet em Istambul, três painéis foram dedicados ao assunto: O primeiro foi exatamente sobre Zero-Rating: Net Neutrality, Zero-Rating & Development: What’s the Data? o segundo foi Network Neutrality: a Roadmap for Infrastructure Enhancement e por último, na sessão principal Network Neutrality: Towards a Common Understanding of a Complex Issue e o tema zero-rating foi abordado nos três painéis.

Zero-rating, ou dados patrocinados, é a prática das operadores de redes móveis (MNO) e operadores móveis virtuais (MVNO) de não cobrar os clientes finais para um volume bem definido de dados de aplicações específicas ou serviços de Internet via rede sem fio da MNO em planos de dados limitados ou medidos e tarifas.

O preço desta gratuidade será muito elevado para os países em desenvolvimento. Eu percebo que os danos da taxa zero superam os benefícios, no Brasil, por exemplo, o Facebook gratis refletiu numericamente as metas de inclusão digital do governo, mas, por outro lado, temos novos usuários condenado a ser analfabetos digitais eternos.

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Imaginem as pessoas que sua primeira experiência com a Internet foi através de serviços zero-rating. Você deve admitir que há uma grande diferença entre a sua percepção da Internet, como imigrante digital, e a percepção de nativos digitais. Imaginem o tamanho da lacuna entre a percepção da Internet por alguém que foi “letrado digitalmente” com antolhos.

Os proponentes do zero-rating argumentam que o usuário tem livre escolha de conteúdos, mas como eles podem escolher entre opções que ele desconhece? Mais de 76% dos celulares são pré-pagos no Brasil, os menos favorecidos muitas vezes creditam valores baixos em seus celulares, e com pouca frequencia, uma vez que eles podem continuar recebendo chamadas por meses sem qualquer valor de crédito. Mas com zero-rating podem acessar gratuitamente o Facebook, a sua visão de Internet. A qualquer momento, quando um link externo é clicado, uma mensagem informa ao usuário se ele continuar será cobrado. Não é difícil imaginar o que este usuário vai decidir.

Por simplesmente limitar as possibilidades de acesso para um segmento da nossa sociedade, estamos criando um verdadeiro sistema de castas digital, onde os mais pobres serão condenados à eterna ignorância digital. Eli Pariser, em seu livroThe  Filter Bubble”, mostra como a personalização (a bolha) afetam a criatividade: Limitar o “horizonte de soluções”, descontextualizar informações e reduzir as possibilidades de busca e de aquisição de mais informações. É necessário ter muito cuidado com a generosidade oferecida pelo zero-rating, o provedor de conteúdo pode criar um sistema de curadoria, proporcionando uma inclusão digital falsa, mas mantendo o controle das informações que os usuários podem receber, o nome disto é controle social.

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A outra face desta ameaça já estão em andamento no Chile, onde as empresas de Telecoms estão dizendo que a neutralidade da rede é a razão do Chile ter “matado” o livre acesso à Wikipedia e Facebook. A perplexidade sobre essa compreensão é a tentativa de naturalizar o zero-rating, como conceito de acesso gratuito à Internet. Esta batalha virá em breve no Brasil com a regulamentação do Marco Civil“, que pode proibir o zero-rating.

Movendo-se para a arena dos empreendedorismo, zero-rating é muito perigoso para a inovação, uma vez que o usuário não pode ver e experimentar novos projetos e serviços on-line até que o empreendedor faça um acordo zero-rating.

Marco Civil na comissão de cultura da ALERJ

No último dia 29 de abril participei de uma audiência pública da Comissão de Cultura da ALERJ, à convite do Deputado Alessandro Molon (Presidente da Comissão de Cultura), sobre o Marco Civil da Internet. A audiência pública durou em torno de quatro horas, e este vídeo apresenta um brevíssimo resumo em pouco mais de três minutos do que foi falado, e um post no blog do deputado dá uma panorâmica mais completa:

No momento em que o Deputado Alessandro Molon me concedeu a palavra eu ainda estava terminando de “organizar as idéias” mas mesmo assim falei dos aspectos práticos, econômicos e sociais da Internet, ou seja, mais ou menos isto já incluindo alguns detalhes que esqueci de falar:

Inicialmente agradeci ao Senador Eduardo Azeredo, pois o projeto de lei 84/99 (cibercrimes – AI5 Digital) de tão nocivo à Internet fez a sociedade civil sair de sua zona de conforto e mobilizar-se para combate-lo. Com isto uma nova e interativa relação do legislativo com a sociedade foi estabelecida, levando ao Marco Civil da Internet, como uma forma de proteger a neutralidade e liberdade da rede.  O Marco Civil vem sendo visto como um modelo de hiperdemocracia, chamando a atenção do mundo inteiro por seu caráter progressista e inovador.

Aqueles que querem controlar a Internet, o tentam através de falácias para justificar projetos como o AI5 digital, a convenção de Budapeste e o ACTA, na verdade propalam que a Internet é uma rede sem controle, sem leis. Eles eu identifico como o tripé do atraso composto pelos neoludistas, a mídia e a indústria do copyright, deixando clara as reais intenções do controle.  Em seu livro Protocol, o professor da Universidade de Nova Iorque Alexander R. Galloway, prova que a Internet é uma rede de controle, que todos deixam rastros claros de suas atividades na rede, ou seja não é necessário criar mais uma camada de controle.

A Internet é sem dúvida um grande agente transformador, estamos frente à revolução informacional, um novo capitulo após a revolução industrial, mas que esta sendo escrito de forma diferente. A Internet com sua comunicação em rede e suas relações horizontais confronta com o velho modelo Fordista de uma relação vertical e comunicação centralizada. Diferente da revolução industrial onde poucos produzem e muitos consomem, na revolução informacional praticamente todos produzem e consomem ao mesmo tempo, são os chamados prosumers. A figura do intermediário vem perdendo espaço, e a abundância vem sufocando a cultura da escassez. A Internet vem permeando cada vez mais o tecido social, estamos partindo para a Internet das coisas, onde a ubiquidade dos dispositivos já a torna invisível, e nos torna cada vez mais conectados.

Apesar de todos os ataques do tripé do atraso, a Internet nada mais é do que uma apropriação da sociedade de uma nova tecnologia, deixando de ser uma rede de computadores para ser uma rede de pessoas, e por isto herda defeitos e qualidades destas. Explicável pela teoria da cauda longa, velhos valores vem sendo resgatados tais como a solidariedade, a colaboratividade, generosidade, debate, inclusão e participação. Só para citar algum destes exemplos posso falar do Projeto Enchentes, Veia Social e Eleitor 2010, mas existem muitos outros.

Bill Gates atribui seu sucesso à plataforma livre do IBM PC, a IBM por não acreditar no PC, não patenteou sua tecnologia, deixando um modelo aberto que pavimentou a história de sucesso da Microsoft. A Internet também é uma plataforma livre, e desde que se tornou comercial vem sendo apropriada e utilizada de diversas formas pelas pessoas, que estão produzindo numa velocidade nunca antes vista uma profunda mudança não só social, mas também econômica e cultural. Ninguém ainda sabe ao certo onde esta mudança nos levará, mas para Douglas Rushkoff professor da Universidade de Princeton e autor do Livro Life Inc, o dinheiro é o sistema operacional do capitalismo, e esta prestes a ser trocado graças a um mundo “internetizado”.  O Brasileiro é um povo extremamente criativo e empreendedor, exemplos como o Videolog para comparilhamento de videos que foi criado muito antes do Youtube, Camiseteria com seu modelo de negócios participativo, e o Boo-box que apresenta um modelo totalmente inovador de negócios com braços no exterior, são apenas alguns exemplos do potencial Brasileiro. Então fecho minha participação com uma afirmativa: Se alguem tem de descobrir o novo modelo de negócios da revolução informacional, que este alguem seja Brasileiro, e para isto temos de fazer de tudo para manter a internet o mais livre e neutra possível.

Notas: Foto montagem retirada do blog do Deputado Molon

Update 21/05/10 – Inclusão do video de minha participação

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