Mantras da irracionalidade – Prosperidade

Mantras da irracionalidade são dogmas, conceitos e valores repetidos e assimilados por nossa sociedade que foram injetados em nossa cultura por estratégias de comunicação. São mantras que não nos pertencem, e que não resistem à uma analise. Muitos se surpreendem de repeti-los e ficam ainda mais surpresos em perceber que eles nunca foram questionados e que nunca foram construidos pelos indivíduos. O mundo a nossa volta esta cheio disto, aos poucos vamos revelando por aqui.

Vamos pensar um pouco em prosperidade, quem é prospero ou não em nossa sociedade e como avaliamos isto. Prosperidade é ter ou parecer ter? Prosperidade é ser ou parecer próspero? Somos prósperos ou meros coadjuvantes em um perverso sistema de poder? Mas afinal o que é prosperidade?

Prosperidade (do latim prosperitate) refere-se à qualidade ou estado de próspero, que, por sua vez, significa ditoso, feliz, venturoso, bem-sucedido, afortunado

Apolônio e Esnóbio

Imaginemos dois irmãos, Apolônio e Esnóbio. Apolônio nunca deu valor ao consumismo, mora na mesma casa no subúrbio há anos, é uma casa simples, mas muito confortável e espaçosa. Seu carro é um velho modelo 2005, mas está em boas condições, atende às necessidades de sua família. Apolônio leva uma vida confortável e sem sobressaltos. Esnóbio sempre foi ambicioso, mora em um apartamento em um luxuoso condomínio, a duas quadras da praia, seu carro é um modelo do ano, e leva uma vida agitada, trabalha muito e tem pouco tempo para a família, ao contrário de seu irmão Apolônio que tem a família em primeiro lugar.

Creio que você que esta lendo este texto já tenha feito juizo, então pergunto: Qual dos dois irmãos é o mais próspero: Apolônio ou Esnóbio? Não precisa responder agora, vamos continuar a história.

A esposa de Apolônio estava comentando com ele, que todo mês o irmão quer fazer uma retirada extra na empresa da família, eles são sócios em uma empresa de auto serviço. Apolônio já cansou de aconselhar o irmão à mudar seu estilo de vida, que se continuasse assim não haverá dinheiro suficiente para atender seus caprichos. Esnóbio invariavelmente respondia ao irmão que ele pensava pequeno e que nunca iria sair daquela casa do subúrbio e ia continuar andando com aquela “lata velha”. Apolônio não se importava, afinal nunca pensou em sair dali, a casa era boa, espaçosa e a vizinhança bem agradável. Como são sócios ambos fazem retiradas iguais, inclusive as extras. Além da sociedade com o irmão, Esnóbio da aula na faculdade a noite, ele enche os olhos dos alunos, como modelo de sucesso.

Agora você que esta lendo este texto tem condições de avaliar qual dos dois irmãos é o mais prospero? Então vamos continuar:

Apolônio comenta com a esposa que o irmão estava pagando quase 2 mil Reais por mês de condomínio, e ainda tinha a prestação do apartamento e do carro, que o irmão estava na verdada afundado em dívidas, trabalhava atrás do dinheiro e não na frente dele. Apolônio não conseguia aceitar o estilo de vida do irmão, achava que ele estava se tornando um escravo do consumo. Com sua casa e carros quitados, as retiradas de Apolônio estavam indo para aplicações da família, que todo ano viajava para o exterior, em especial este ano que o filho de Apolônio estava se preparando para fazer faculdade na França. O casamento de Esnóbio estava por um fio, sua esposa não podia aceitar o fato de não poder comprar um novo vestido para ir à festa da amiga socialite, e o filho do casal ainda não havia chegado do cursinho pré-vestibular, o menino estudava feito um louco para passar para uma faculdade pública, já que o pai falou que não iria pagar faculdade para marmanjo.

Veja você minha cara leitora e meu caro leitor, creio que não haja dúvida sobre quem de fato é próspero e quem não é. Nossa sociedade é assim, temos uma tendência enorme ao reducionismo, por conta disto somos vitimizados pelos mantras da irracionalidade. Esnóbio apesar de ter uma renda maior que Apolônio e apresentar sinais externos de prosperidade é na prática muito menos prospero que o irmão suburbano Apolônio. Imagino que não haja surpresa nesta revelação, mas vamos aos fatos.

A casa e o carro de Apolônio já estão quitados, apesar de ambos valerem 1/3 do valor do apartamento e do carro de Esnóbio, neste quesito o patrimônio de Apolônio é maior. O sistema é perverso, mesmo que Esnóbio tenha quitado 2/3 das parcelas do financiamento do seu carro, ele ainda esta devendo o valor do carro, mas o valor de compra e não de revenda, deste modo tudo que ele pagou até então no carro não teve impacto no seu patrimônio. O mesmo se dá com seu apartamento, ele esta pagando, mas ainda deve dois apartamentos. No caso de Esnóbio, ele não tem patrimônio algum, ele trabalha para girar a perversa roda do sistema bancário, que oferece crédito como se estivesse oferecendo deliciosas guloseimas para as crianças.

Quantos Esnóbios você conhece por ai?

A imensa distância entre o que você vê e o que você compra

A essência da foto publicitária está em retratar da melhor forma o produto anunciado. Obviamente na fotografia[bb] de alimentos, todos os ingredientes são cuidadosamente escolhidos, e na composição do produto vários artifícios são utilizados para dar ao alimento uma bela aparência, tornando-o ainda mais apetitoso. A prática de vender sonhos, transformar necessidades em desejos é comum na publicidade, e para isto vale maquiar a realidade para transforma-la em algo um pouco fantasioso estimulando o consumidor.

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Geralmente, estes lindos alimentos fotografados são incomíveis. Segundo site Don’t Buy It, cuja missão é tornar os futuros consumidores mais espertos, os estilistas alimentares utilizam práticas nada apetitosas:

  • Quando fotografar sanduiches com sementes, como milho ou ervilhas, cole-as com cola tudo ou fixe-as com alfinetes.
  • Aplique spray a prova d’agua nas superfícies para evitar que elas fiquem úmidas.
  • Cozinhe apenas o lado externo das carnes e deixe o centro crú para deixa-la com uma bela aparência e aspecto de frescor.
  • Pinte as carnes, em especial hamburguers com óleo e pigmento marrom.
  • Para fazer as marcas de grill, use um metal bem quente como um ferro de solda por exemplo.
  • Utilize apenas as fatias centrais dos mais belos tomates e aplique neles uma mistura de glicerina e água para dar uma aparência de frescor.
  • Use toalhas de papel dobradas como fraldas para que a gordura e o sangue das carnes não escorram para o pão.
  • Escolhas folhas bem verdes, saudáveis sem marcas marrons ou falhas.

Quando Chris Locke, Doc Searls, David Weinberger escreveram em 1999 o Manifesto Cluetrain, estavam informando ao mundo que o consumidor estava mudando, e conectados e juntos ficaram muito mais inteligente que a soma de suas inteligências. O novo consumidor esta ficando cada vez mais refratário à publicidade. Veja que o filme sincero da Dove Evolution, que transformou-se em um imenso buzz, acabou por ganhar o Gran Prix de Cannes este ano, sem ter sido veiculado na TV. Este comportamento escancara para quem quer ver, que o consumidor quer sinceridade e transparência, quer interagir com pessoas e não com super-heróis ou ficção., quer realidade e não fantasia.

Para comprovar isto, basta uma simples busca no Google e econtrará centenas de posts e artigos que falam do tema “food advertising x reality”. Uma das respostas que me chamou a atenção foi um link no Digg, cujo post recebeu até o momento 3866 votos e nada menos que 274 comentários.

Voltando ao aspecto dos alimentos, fica pergunta: Será que teremos de colocar fotos reais nas peças publicitárias ou teremos de fazer um bom marketing de serviços aliado a P&D para produzir alimentos cada vez mais parecidos com a suas fotografias?

Fontes: Boing Boing e Jeff Kay’s the West Virginia Surf Report