Como seria uma ditadura no Brasil de hoje?

O General Villas Boas gerou um grande desconforto, ao dizer  em uma entrevista, que a “legitimidade do novo governo pode até ser questionada”, despertando a preocupação com uma possível nova ditadura. Na sequência, o General Mourão diz que uma constituição não precisa ser feita por eleitos do povo.  A despeito dos questionamentos políticos, legais e constitucionais relacionados à estas declarações, temos uma preocupação adicional: Como seria a vigilância em uma ditadura no Brasil de hoje?

Uma ditadura no Brasil de hoje provavelmente seria menos violenta, porém, através do uso massivo de inteligência, seria implacável, sutil e invisível, detectando rapidamente qualquer movimento ou padrão que signifique ameaça, muito antes de se tornar uma. Em termos de matriz de força será extremamente desproporcional, com todo poder ao vigilante e quase nenhum ao vigiado, um verdadeiro pesadelo para qualquer cidadão e qualquer democracia.

A intensidade e profundidade desta vigilância será limitada pela permeabilidade obtida pelo governo ditatorial junto às empresas de aplicações de Internet, operadores de rede, comunicação e segurança. Uma simples mudança de protocolo, ou instalação compulsória de dispositivos, burlariam qualquer restrição técnica ou legal deste acesso, por parte do governo.

Em termos práticos, seremos vigiados 24 horas por dia, sete dias por semana, inclusive à noite, enquanto dormimos. A intensidade e profundidade desta vigilância será limitada pela permeabilidade obtida pelo governo ditatorial junto às empresas de aplicações de Internet, operadores de rede, comunicação e segurança. Uma simples mudança de protocolo, ou instalação compulsória de dispositivos, burlariam qualquer restrição técnica ou legal deste acesso, por parte do governo.

No contexto atual, a mobilidade e o crescente desenvolvimento tecnológico, são os motores do sofisticado sistema de vigilância. Algumas das novas armas da ditadura serão a Análise de Redes Sociais (ARS), Homofilia, Psicometria, inteligência artificial, machine learning, muita mineração de dados, e construção de padrões por deep learning.  Em linhas gerais todo e qualquer cidadão brasileiro estaria suscetível a esta nova vigilância, dificilmente alguém estaria fora de seu alcance.

É um padrão de vigilância que você provavelmente nunca imaginou, nem nos seus piores pesadelos. Imagine que o governo saberá que você está lendo este texto agora, a partir de qual dispositivo, qual a sua localização, se existem outras pessoas próximas a você, quem são, e se estão acessando algum serviço on-line, ou mesmo assistindo TV.

Além disto, o governo, por conhecer seu perfil psicométrico, suas particularidades, princípios, valores, e sua rede de relacionamento, saberá valorar o texto que esta lendo, e como você o processará cognitivamente. O governo também saberá quais pessoas de sua rede de relacionamento leram o texto, e qual valor deram a ele, e quais interações se deram em torno dele.

Por falar em rede de relacionamento, estas poderão ser mapeadas, mesmo que nunca tenham sido configuradas explicitamente, mesmo que você nunca tenha adicionado determinadas pessoas em sua rede social, na sua agenda de telefones, e somente as tenha contatado pessoalmente, é possível pelas tecnologias atuais inseri-las em suas redes, simplesmente por estarem próximas a você, seguindo um padrão posicional.

Em linhas gerais, você não fará nada sem que o governo saiba, ele pode não estar focado em você, mas os seus dados estarão sendo coletados, tratados, comparados, transmitidos e armazenados.

O governo saberá o que você vê, lê, ouve, compra, com que frequência, e com quem se relaciona, por onde anda, onde trabalha, mora, estuda, se diverte, se tem carro, ou como se desloca no meio urbano, ou seja, saberá toda sua rotina. O governo também saberá sobre seu relacionamento, estado civil, orientação sexual, se tem um ou mais parceiros, DST, problemas e dificuldades de relacionamento. Também terá acesso a seus dados fisiológicos e de atividades físicas, se você utiliza smartwatch ou faz algum registro online destas atividades. Em linhas gerais, você não fará nada sem que o governo saiba, ele pode não estar focado em você, mas os seus dados estarão sendo coletados, tratados, comparados, transmitidos e armazenados.

Este padrão de vigilância trabalha sobre o big data, e não sobre o indivíduo, e o foco da vigilância se dará sobre os padrões, ou seja, se você adotar algum padrão comportamental suspeito, se algum local que você tenha estado, ou se alguém de algumas de suas redes de relacionamento estiver no foco da vigilância, todos da rede e/ou todos que estiveram no local também serão alvo de vigilância.

O governo lhe conhecerá melhor do que você mesmo, construirá padrões de previsibilidade, saberá quando um determinado padrão significa uma ameaça, de que tipo e intensidade, e agirá para impedir um ilícito que poderia ser cometido, lembrando que ilícito em uma ditadura é um conceito muito ambíguo.

Você também poderá ser preso, por exemplo, por curtir publicações sobre “patinho amarelo” ou sobre o cultivo de bromélias. Isto, simplesmente, porque eventualmente um padrão identificou que pessoas que seguem as publicações do “patinho amarelo” tem 46% de chances de serem “subversivas”, e se também curtem publicações sobre o cultivo de bromélias esta probabilidade aumenta para 86%.

Você poderá ser preso simplesmente por ter estado em determinado local, e próximo à uma das pessoas envolvidas, por algumas vezes. Você também poderá ser preso, por exemplo, por curtir publicações sobre “patinho amarelo” ou sobre o cultivo de bromélias. Isto, simplesmente, porque eventualmente um padrão identificou que pessoas que seguem as publicações do “patinho amarelo” tem 46% de chances de serem “subversivas”, e se também curtem publicações sobre o cultivo de bromélias esta probabilidade aumenta para 86%. Estes padrões não são tão simples assim, mas atendem à uma lógica, que humanamente não parece fazer sentido, são padrões criados por homofilia, que significa comparar pessoas e seus hábitos, estabelecendo uma lógica relacional, e são construidos através de sofisticados processos de machine learning e  deep learning, a partir de uma quantidade gigantesca de comparações.

As possibilidades vão além da vigilância, a tecnologia atual permite um sofisticado controle social, pois como praticamente toda interação com mediação tecnológica se dá através de sofisticados algoritmos, torna-se possível controlar a informação que chegará ao indivíduo, a visibilidade de seus grupos e amigos, ocultando ou exibindo estas informações de acordo com as intenções da ditadura.

As possibilidades vão além da vigilância, a tecnologia atual permite um sofisticado controle social, pois como praticamente toda interação com mediação tecnológica se dá através de sofisticados algoritmos, torna-se possível controlar a informação que chegará ao indivíduo, a visibilidade de seus grupos e amigos, ocultando ou exibindo estas informações de acordo com as intenções da ditadura. Esta prática distorcerá seu entendimento de senso comum, você poderá ter amigos extremamente ativos “subversivamente” e nem se dará conta disto, pois os algoritmos lhe apresentarão conteúdo e pessoas que estão de acordo com os interesses do governo.

Este controle social pode ir além das redes sociais e das ferramentas de busca, estamos cedendo nossa autonomia para os aplicativos, hoje o usamos até para saber a melhor rota para um caminho usual, ou qual o melhor restaurante perto, ou qual o par perfeito para você, além de outras atividades banais do dia-a-dia.

É importante lembrar que o governo também conhecerá em detalhes todas as suas fraquezas e vulnerabilidades, e as explorará em benefício próprio.

É importante lembrar que o governo também conhecerá em detalhes todas as suas fraquezas e vulnerabilidades, e as explorará em benefício próprio. Alias não só as suas, mas também as fraquezas e vulnerabilidades dos grupos que pertence, e as exploraria da mesma forma, inclusive produzindo harmonia e discórdias quando necessário através da interação com os algoritmos.

Este poder existe, mas está contido e distribuído. A pesquisadora Cathy O’Neil chama de cardeais dos algoritmos, aqueles que detém o controle dos complexos algoritmos e gigantescas bases de dados de indivíduos, ou seja, a “biomassa humana” nas palavras de Maria Wróblewska. Como dito, este poder esta contido e distribuído, o Facebook e o Google por exemplo detém o controle sobre suas “biomassas humanas”, mas utilizam recursos como trackers, pixels e parcerias para romper, mesmo que parcialmente estas barreiras. Desta forma por exemplo, você recebe publicidade de um item recém pesquisado na Internet em seu Facebook. Se o governo ganhar o acesso amplo a todas estas redes, tornando-se um “mega cardeal do algoritmo”, se tornará praticamente um deus, com amplos poderes sobre os indivíduos, e como dito anteriormente, este poder pode ser tomado, facilmente em um regime de exceção.

Todo este controle, permitirá à ditadura perpetuar-se por anos, décadas, sem que nada venha ameaça-la, a não ser que as forças “subversivas” consigam desvencilhar-se deste complexo organismo de vigilância.  Apesar de assustador, este cenário é extremamente real e possível, com os recursos tecnológicos atuais.

A vigilância do século XXI

Para que você consiga compreender o cenário, é necessário mudar completamente o seu conceito de vigilância, que é o que tentarei nos próximos parágrafos.

Quando se fala em vigilância, logo vem a mente a imagem de uma câmera, com alguém observando atrás dos monitores. Sistemas de vigilância são naturalmente vistos desta forma, com centrais cheias de telas, e pessoas de olho nestas telas. É um modelo obsoleto, ineficiente, e está fadado a desaparecer em poucos anos, sendo substituído por uma “vigilância cega”.

O modelo de vigilância do Panóptico de Benthan, descrito por Foucault em “Vigiar e Punir“,  é similar ao modelo de vigilância da obra distópica 1984 de George Orwell, representada pela “teletela”, um dispositivo que ao mesmo tempo em que funcionava como uma TV com programação exclusiva do “partido”, servia de olhos e ouvidos para o “Grande Irmão”. O modelo panóptico baseia no par ver ser visto, a partir de um ponto de observação central, tendo o vigilante ampla visão do vigiado, e este nenhuma visão do vigilante, presumindo estar sendo vigiado. O Panóptico descrito por Foucault, por esta premissa, torna-se mais um instrumento de controle, do que propriamente vigilância. Um controle leve, eficiente, sem grades, invisível, e pela pressuposição de estar sendo vigiado.

O panóptico, que representa o modelo de vigilância vigente até o século XX, tornou-se obsoleto no século XXI. Zigmunt Bauman em “Vigilância Líquida” apresenta o conceito do “panóptico pessoal”, em que o indivíduo torna-se vigilante de si e de seus pares, e cada um carrega seu próprio Panóptico, materializado por Bauman como seus smartphones e dispositivos conectados. O que Bauman descreve, dialoga com o que Fernanda Bruno, em “Máquinas de ver, Modo de Ser. Vigilância Tecnologia e Subjetividade“, descreve como “Vigilância Distribuída”, que tira a centralidade da vigilância, principal característica do panóptico. A Vigilância Distribuída se dá a partir de vários dispositivos conectados, e não somente por um, configurando o que classifico como meta dispositivo de vigilância, que são dispositivos interconectados, como por exemplo, um smartphone conectado a um smartwatch.

O advento do big data substituiu o modelo panóptico pelo panspectro. O panspectro é uma expressão cunhada por Manuel DeLanda em 1991, no livro “Guerra na era das máquinas inteligentes”, e posteriormente usado por Sandra Braman no livro “Change of State – Information, Policy, and Power“. O foco do panspectro não é o indivíduo em particular, ele esta focado nos dados, em todos os dados, e sua ação focal se dá em resposta à padrões, como já foi descrito anteriormente. A mineração dos dados, o uso de machine learning e deep learning, configuram a vigilância cega, uma vigilância com foco em padrões onde sua visibilidade se torna necessária apenas como resposta à padrões desviantes ou ressonantes, estes dados são coletados através dos dispositivos e meta dispositivos de vigilância.

Dispositivos e meta dispositivos, pela perspectiva da Vigilância Distribuída, configuram um complexo Organismo de Vigilância, onde cada um representa um dos bilhões de nós deste organismo.  É como se estivéssemos literalmente imersos em um mega dispositivos de vigilância com alta capilaridade e invisível. São smartphones, tablets, computadores, smartwatch, wearables, câmeras de vigilância, drones, RFID, redes abertas, redes de telefonia móvel,  e qualquer outro dispositivo tecnológico conectado, doravante conhecido por “dispositivo”.

Para você ter uma ideia do potencial de vigilância dos dispositivos, os smartphones mais populares, como o iPhone e o Galaxy S possuem sensores como GPS, beacon (que são sensores que identificam a proximidade de outros dispositivos), altímetro barométrico, acelerômetro, giroscópio, sensor de proximidade e de luz ambiente, assistente inteligente, microfone, alto falante, câmera frontal e traseira, e alguma forma de identificação biométrica. Além de possuírem conectividade por Wi-fi, Bluetooth, 3G e 4G. Estes dispositivos estão na maioria das vezes coletando dados, de forma involuntária, e muito caros ao indivíduo e sua privacidade.

Temos hoje um organismo de vigilância com mais de 12,3 bilhões de dispositivos, ou seja, 1,6 dispositivos por habitante do planeta.

Em termos de grandeza concreta, segundo o Internet World Stats, em Dezembro de 2017, 4,1 bilhões de pessoas tinham acesso a Internet, considerando que o relatório da Cisco projeta que em 2020, existirão em média 3,4 dispositivos conectados à Internet por usuário, e considerando a média de 3 dispositivos, temos hoje um organismo de vigilância com mais de 12,3 bilhões de dispositivos, ou seja, 1,6 dispositivos por habitante do planeta, considerando a população atual em 7,7 bilhões, sem contar os demais dispositivos de vigilância como câmeras, drones, e outros, e sem esquecer que cada dispositivo pode ter vários sensores.

Dificilmente damos conta que carregamos conosco um dispositivo de vigilância tão poderoso, a ponto de muitos ativistas chama-los de “dispositivo de vigilância que permite fazer ligações telefônicas”.  Eles nos rastreiam mesmo quando não estamos conectados à Internet, como demonstra esta matéria da Fox News.

Mas não são somente estes os dispositivos e tecnologias que podem acabar literalmente com a nossa privacidade, em caso da instalação de uma ditadura no país. Nossos hábitos na internet também produzem dados sobre nós, além das relações mediadas por algoritmos, são cookies, trackers, remarketing que capturam dados sobre nós.

O Facebook, por exemplo, faz uso de trackers para saber o que você faz na Internet, quando não esta nele, mas também usa dados do WhatsApp e Instagram, por serem empresas do mesmo grupo. Na verdade o Facebook e o Google são a mais clara representação do que Shoshana Zuboff chama de capitalismo de vigilância. Este complexo mecanismo de captura, coleta, tratamento, analise e armazenamento de dados chamado Facebook, foi explorado em profundidade pelo ShareLab, e descrito em forma de monólogo pela Panoptykon Foundation, no vídeo a seguir.

Como pode perceber, não podemos pensar em um modelo de vigilância e controle no século XXI, com a mente do século XX, o formato e conceito de vigilância mudaram. Do Panóptico de Foucault, onde primava o par ver ser visto, ao Panspectro de Braman, onde prima a coleta indiscriminada de dados, e a vigilância se manifesta em respostas a padrões. Os dados que produzimos podem dizer muito mais sobre nós do que a simples vigilância. O modelo atual, representado na figura abaixo, tem as características visuais do Panóptico, mas apenas como elemento complementar ao vasto potencial de vigilância do Panspectro.

Vamos tomar por exemplo um caso real, o Norte Shopping, no Rio de Janeiro. Este shopping instalou um moderno sistema de câmeras de segurança que faz o reconhecimento facial de todos que transitam em seu interior, o que possibilitou inclusive a prisão de dois criminosos procurados. O sistema, segundo a empresa que o fornece, como descrito na matéria, faz o reconhecimento facial do indivíduo e o compara com um banco de dados.

Imagine então que você entre neste shopping, o sistema irá fazer uma leitura da sua face, sem que você perceba, em seguida consultará uma base de dados, e se não encontrar registro, irá criar um novo com o modelo matemático de sua face, dando o identificador hipotético “IND18A7F8E7”. O sistema então passa a registrar seu deslocamento dentro do shopping, por onde andou, em que lojas parou para ver a vitrine, em quais entrou, quanto tempo demorou, etc.  Tudo isto é feito sem nenhuma interação humana, mas tudo fica registrado, eu suponho.

Neste momento você pega seu smartphone e resolve conectar à rede wifi do shopping, que em geral pede dados cadastrais como nome, cpf, e número de telefone para conceder o acesso. Supondo que os sistemas sejam interligados, a partir deste ponto, utilizando a triangulação dos pontos de acesso wifi, sua posição pode ser determinada, e comparada com a posição do registro da câmera de vigilância, associando seus dados ao usuário IND18A7F8E7. Novamente lembramos que tudo é feito sem nenhuma interação humana.

Agora imagine, em uma ditadura, que sistemas como estes sejam interligados, e os dados sejam acessados pelo governo. Mesmo que você não esteja carregando nenhum dispositivo, sua identificação será possível por sistemas deste tipo.

Alias não precisamos ir muito longe, ainda no Rio de Janeiro, a CodingRights fez um estudo sobre o bilhete único carioca, e chegou a conclusão que os dados dos usuários, inclusive os biométricos de reconhecimento facial, são compartilhados com a polícia e a secretaria municipal de transportes. Imagine então que nem no ônibus é possível viajar incógnito.  Junte a estes sistemas de reconhecimento de placas de automóveis, que possuem câmeras espalhadas pela cidade, a nova placa com chip e QR Code, e seu carro poderá ser rastreado, os limites da vigilância não terminam ai.

Estamos há anos trocando nossa liberdade, nossa privacidade e autonomia pelo conforto da tecnologia, e pela segurança que esta proporciona, o preço desta prática só será percebido quando em uma ditadura nos tornarmos prisioneiros dela.


Veja mais sobre o tema no site de meu projeto de pesquisa, e minha página do projeto no ReserachGate.


Bibliografia

BAUMAN, Z. Vigilância Líquida. In: MEDEIROS, C. A. (trad.). [s.l.]: Zahar, 2014. 160 p. ISBN: 978-8537811566.

BRAMAN, S. Change of State – Information, Policy, and Power. Nature Publishing Group. London, England: The MIT Press, 2006. 570 p. ISBN: 9780262025973.

BRUNO, F. Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e subjetividade. 1 ed. Porto Alegre: Sulina, 2013. ISBN: 9788520506820.

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir o nascimento da prisão. 29 ed. São Paulo: Editora Vozes, 2004. 266 p. ISBN: 8532605087.

O’NEIL, C. Weapons of Math Destruction, How big data increases inequality and threatens democracy. New York: Crown Publishing Group, 2016. 307 p. ISBN: 9780553418828.

ORWELL, G. 1984. In: JAHN, H. ‎; HUBNER, A. (trads.). [s.l.]: Companhia das Letras, 2009. 416 p. ISBN: 978-8535914849.

WRÓBLEWSKA, M. Monologue of the Algorithm: how Facebook turns users data into its profit. Panoptykon Foundation. 2018. Disponível em: <https://en.panoptykon.org/articles/monologue-algorithm-how-facebook-turns-users-data-its-profit-video-explained>. Acesso em: 24/ago./18.

ZUBOFF, S. Big other: Surveillance capitalism and the prospects of an information civilization. Journal of Information Technology, [s.l.], v. 30, no 1, p. 75–89, 2015. ISBN: 02683962, ISSN: 14664437, DOI: 10.1057/jit.2015.5.

O homem sem fé

Não sei como as pessoas sobrevivem sem fé?

Não estamos falando de fé religiosa, estamos falando da fé em si, daquele sentimento interno que nos faz manter alguma esperança, daquele fio de teimosia que nos faz crer que apesar de toda adversidade, alguma coisa vai dar certo.

Estamos falando daquele sentimento que nos faz emergir olhando para a frente para vislumbrar uma pequena luz bem distante.

Estamos falando daquele sentimento que nos faz crer que hoje será melhor que ontem, que este mês melhor que o mês passado, que este ano será melhor.

A fé que nutrimos repleta de simpatias no Reveillon frente a um ano novinho em folha que desperta. A fé que nos faz pensar em yin-yang, a filosofia taoista da dualidade, onde os opostos andam juntos e nos faz perceber que sempre o bom é o outro lado do ruim, e que basta olhar por outro ângulo para vermos o bom, se não o vemos, ao menos podemos acreditar que ele está ali.

A fé… a fé que move montanhas pelo simples fato de que acreditamos que isto seja possível.
A fé que cura, a fé que nos acalenta, a fé que nos mantém vivos.

Ter fé não significa religiosidade, ter fé significa acreditarmos em nós, ter fé significa amor.

Amor por si, pelos seus, pelo próximo, pelo mundo. Amor pelo próximo significa praticar o altruísmo e a empatia. O exercício de dar ao próximo a fé que ele busca, pelo simples fato de saber que alguém o compreende, que alguém de alguma maneira se preocupa com ele.

A fé acalenta, a fé acalma, mas a fé pode falhar pelo simples fato do homem deixar de acreditar em um futuro possível. Quando todas as luzes distantes parecem ter se apagado, e o amor vai dissipando, e com ele a sua capacidade de ser um homem de fé. O homem sem fé é amargo, o homem sem fé é um homem aprisionado em si mesmo, preso em uma cela que não o permite ver a luz distante por mais intensa que esta seja.

Alguns chamam isto de depressão, mas na verdade é falta de fé.
Dê fé a quem precisa, exercite seu altruísmo e sua empatia, é dando que se multiplica.

Não deixe o mundo perder a fé.

João Carlos Caribé
Janeiro de 2018

A natureza da Internet

Na construção de políticas públicas de Internet, seja nos fóruns de governança, parlamentos ou em outro espaço de construção, muito tempo e energia são investidos em torno da definição da natureza da Internet, sem que seus interlocutores em geral tomem ciência disto. Cada stakeholder defende que a natureza da rede seja a que melhor serve à seus interesses. Para uns a Internet é uma rede de negócios, para outros uma rede de telecomunicações, ou mídia para muitos, campo de batalha para outros, uma gigantesca rede de construção coletiva e cognitiva de conhecimento, uma rede de pessoas, uma rede de inclusão, uma rede de conhecimento, uma ferramenta ou até mesmo uma rede militar.

Na prática ao definir a sua visão da natureza da Internet, o interlocutor vislumbra uma “arena” na qual seus valores e pontos de vista tornam-se mais plausíveis, deixando-o mais confortável na construção de seus argumentos.  Faz parte da estratégia política e diplomática a transmutação em torno da natureza do objeto, voluntária ou involuntariamente, tanto para reforçar argumentos quanto para construir a percepção de dissenso, ou pela simples complexidade do objeto em pauta. Você pode imaginar que a simples transmutação em torno do objeto, no caso a natureza da Internet, pode inviabilizar infindáveis horas investidas em construções de políticas de Internet. Quanto este objeto é a Internet, que é relativamente novo e ainda esta sendo apropriado, temos um objeto liquido em torno do qual circulam diversas definições de sua natureza, onde todas são válidas, mas mesmo juntas não conseguem chegar a definir sua natureza.

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A natureza da Internet ainda é um “anekantavada“, expressão que refere-se aos princípios do pluralismo e da multiplicidade de pontos de vista, em que a verdade e a realidade são entendidos de forma diferente consoante a perspectiva, e que nenhum ponto de vista consegue abranger toda a verdade. O anekantavada pode ser explicado facilmente pela parábola dos cegos e o elefante, onde cada cego interpretava o animal conforme sua percepção da parte que tocava. Todos tinham suas interpretações em torno da natureza do animal, e que mesmo juntas não definiriam toda a verdade à cerca da natureza do elefante.

A natureza da Internet ainda é um “anekantavada”, expressão que refere-se aos princípios do pluralismo e da multiplicidade de pontos de vista, em que a verdade e a realidade são entendidos de forma diferente consoante a perspectiva, e que nenhum ponto de vista consegue abranger toda a verdade.

Na busca desta definição vale analisar como pensadores tratam a natureza humana. O antropologista Clifford Geertz diz que seres humanos são animais inacabados, ou seja, que é da natureza humana ter uma natureza humana a qual é praticamente o produto da sociedade em que vivemos. A nossa natureza humana é muito mais criada do que é descoberta. Nos moldamos a natureza humana moldando as instituições nas quais as pessoas vivem e trabalham.

Barry Schwartz no livro Why we work diz que a natureza humana sera alterada pelas teorias que temos, que são elaboradas para explicar e nos ajudar a entender os seres humanos.

Pela ótica de Geertz e Schwartz a natureza humana é produto da sociedade em que vivemos, ou seja, a natureza humana é dependente do seu entorno, ela muito mais criada em resposta ao contexto onde esta inserida do que descoberta. Por esta linha, é interessante identificar inicialmente o contexto onde a Internet está inserida, e isto nos remete às arenas que citei anteriormente.  As arenas não são o contexto, a própria Internet é o contexto, estamos justamente buscando a natureza do contexto, as arenas são neste caso as diferentes aproximações à este contexto. Avaliar a natureza da Internet usando as mesmas ferramentas com que se avalia a natureza humana é um claro equivoco. Ainda no campo das aproximações podemos chegar ao conceito de ecossistema:

Ecossistema (grego oikos (οἶκος), casa + systema (σύστημα), sistema: sistema onde se vive) designa o conjunto formado por todas as comunidades bióticas que vivem e interagem em determinada região e pelos fatores abióticos que atuam sobre essas comunidades.

Leslie Daigle, uma das poucas pesquisadoras à estudar o tema, parece basear seu estudo “On the nature of the Internet” na busca do entendimento da natureza da Internet baseado no conceito de ecossistema, analisando três pontos:

  • Delinear a natureza técnica da Internet;
  • Articular as propriedades imutáveis ​​do Internet (os “invariantes”);
  • Buscar o equilibrio entre estes dois elementos para examinar os desafios atuais enfrentados pela Internet..

O estudo da Leslie vale a pena ser cuidadosamente lido, estudado e comentando, e a conclusão dialoga muito bem com a provocação inicial deste artigo, como segue:

A Internet não é um acidente, e enquanto ele se desenvolveu através da evolução em resposta a mudanças de requisitos, o seu desenvolvimento não foi aleatória ou impensado. Existem propriedades essenciais da Internet que deve ser apoiadas para que ela continue sua sequência de sucesso continuado. Já não é possível compreender a natureza da Internet sem considerar o mundo em que ela existe – como tal, as considerações de tecnologia podem estar no centro de determinar o que funciona (ou não) para a Internet, mas um quadro não-técnico para discutir eventuais compensações é imperativo. Os invariantes podem servir como uma estrutura útil para discutir os impactos sem ter que se aprofundar nos detalhes intrincados da tecnologia que impulsiona a Internet. Com o quadro em mente, discussões de políticas podem se concentrar no que pode ser feito para resolver um problema e avaliar os impactos potenciais sobre a Internet.

A provocação inicial deste texto visava leva-lo à uma reflexão e desejo continuar esta busca ou atualização que no meu enteder vai além do que foi visto até então.

O poder político e ideológico do filtro bolha

Foto de Colin Adamson

O poder político e ideológico do filtro bolha

O estudo da linha do tempo do Facebook

O texto a seguir é parte do meu pré projeto para mestrado, que torno público como contribuição ao debate atual em torno da conjuntura que o Brasil vive neste início de março de 2016.

Introdução

Em Maio de 2015 pesquisadores do Facebook publicaram um estudo intitulado “Exposure to ideologically diverse news and opinion on Facebook” (BAKSHY et al., 2015). O estudo focava em duas criticas mais comuns em torno do algoritmo do Facebook: Com cada vez mais indivíduos buscando informações cívicas nas redes sociais, o algoritmo poderia criar “câmeras de eco”, onde as pessoas são mais expostas a informações compartilhadas por seus pares ideológicos. A outra questão focava como o algoritmo classificava e buscava as informações exibidas na linha do tempo da rede social. Segundo Pariser (2012) o algoritmo criava um “filtro bolha”, onde somente conteúdo ideologicamente atraente era trazido à tona, isolando o usuário da diversidade.

O resultado apresentado mostra que os usuários estão expostos a uma quantidade substancial de conteúdo a partir de amigos com pontos de vista opostos, e que o mix de conteúdo encontrado na rede social é produto de uma escolha pessoal, e que apenas entre em 5 a 10% do que não se alinha à visão política do usuário é omitido.

Por conta desta conclusão, o estudo ganhou pelos críticos, ativistas e acadêmicos, o apelido de “Facebook’s it’s not our fault study”. Destes, Zeynep Tufecki (2015), socióloga ligada ao Berkman Center, de Harvard aponta algumas inconsistências. Em primeiro lugar foram tomados dados de um pequeno grupo de usuários, aqueles que se auto-identificam politicamente. Presume-se que esses que se auto-identificam são mais propensos a criarem uma bolha informativa em torno de si, uma vez que já estão politicamente definidos. A outra questão é que há uma brutal variação entre a probabilidade de uma informação ser visualizada quando disposta no topo da página ou mais embaixo. Ou seja, o Facebook não precisa omitir determinado link ou informação, basta dispô-lo no fim da linha do tempo, reduzindo substancialmente a possibilidade de ser visto. Por exemplo, um link tem 20% de possibilidade de ser clicado estando no topo da página. Esse número cai para menos de 10% se estiver na décima posição e vai a quase 5% se, além de estar em décimo, não for ideologicamente alinhado a esse usuário. A supressão automática de posições políticas diversas à nossa, somada às regras utilizadas para o ordenamento das publicações são dois elementos que se complementam e não podem ser analisados em separado.

Para Pariser (2015), o estudo erra em pressupor que a escolha do usuário faz mais sentido do que responsabilizar o algoritmo do Facebook. Para ele existem duas preocupações em relação ao filtro bolha: que os algoritmos ajudem os usuários a se cercarem de informações que dão suporte às suas crenças, e que os algoritmos classifiquem como menos importante o tipo de informação que é mais necessária em uma democracia – notícias e informações sobre a a maioria dos temas sociais importantes (“hard-news”). Enquanto o estudo foca no primeiro problema, ele deixa rastros para o segundo, uma vez que apenas 7% dos usuários clica no que o estudo chama de “hard-news”, noticias de carater cívico, enquanto a maioria clica em “soft-news”, que são amenidades.

Existem algumas ressalvas apontados por Pariser no estudo, O mecanismo de marcação ideológica não significa o que parece que ele significa. Como os autores do estudo mencionam, e para muitos passa despercebido, é que isto não é uma medida de polarização partidária com a publicação. É uma medida de quais artigos tendem a ser mais compartilhados por um grupo ideológico do que o outro, existem hard-news que não são partidários. É difícil calcular a média de algo que está em constante mudança e diferente para todos. É um período de tempo muito longo para uma rede social que está constantemente se reinventando, muitas coisas aconteceram no período de tempo da pesquisa (07 de Julho de 2014, a 07 de Janeiro de 2015). A amostragem do estudo representa apenas 9% dos usuários do Facebook que declaram seu posicionamento político. É realmente difícil separar “escolha individual” e o funcionamento do algoritmo. O algoritmo responde ao comportamento do usuário em lotes diferentes, há um ciclo de feedback que pode diferir drasticamente para diferentes tipos de pessoas.

Tanto o estudo apresentado pelo Facebook, quanto suas críticas, e aqui citamos apenas duas, são conseqüência de diversos estudos e criticas anteriores, das quais destacamos duas bem controversas que motivaram a proposta deste projeto de pesquisa.

Para Zittrain (2014) O Facebook pode decidir uma eleição sem que ninguém perceba isto. Em seu texto ele demonstra que a simples priorização de um candidato na linha do tempo é suficiente para isto, principalmente frente aos usuários indecisos. Para sustentar sua tese, Zittrain cita um estudo desenvolvido em 2 de Novembro de 2010, onde uma publicação que auxiliava encontrar a zona de votação nos Estados Unidos apresentava a opção do usuário clicar um botão e informar a seis amigos que já havia votado. Isto produziu um aumento no número de votantes na região do experimento.

A controvérsia em relação ao filtro bolha ganhou uma dimensão significativa, e passou a chamar a atenção não só de pesquisadores, mas principalmente de ativistas, advogados e políticos, quando um estudo desenvolvido por pesquisadores ligados ao Facebook concluiu que era possível alterar o humor dos usuários por contágio emocional pela rede social. O experimento consistia em transferir emoções por contágio sem o conhecimento dos envolvidos, Kramer et al. (2014, p. 8788 tradução nossa) e foi bem sucedido:

Em um experimento com pessoas que usam o Facebook, testamos se o contágio emocional ocorre fora da interação presencial entre os indivíduos, reduzindo a quantidade de conteúdo emocional na linha do tempo. Quando foram reduzidos expressões positivas, as pessoas produziram menos publicações positivas e mais publicações negativas; quando foram reduzidos expressões negativas, o padrão oposto ocorreu.

Objetivos

Este projeto de pesquisa tem por objetivo compreender a forma como o filtro bolha afeta o fluxo e a classificação de informações e consequentemente, como afeta o posicionamento político e ideológico do usuário do Facebook no Brasil.

Com base nos estudos de Zittrain (2014) e Kramer et al (2014) torna-se possível começar a desenhar este recorte. A influência política proposta transcende a mera questão eleitoral apontada por Zittrain, estamos falando do posicionamento do indivíduo frente às questões políticas e ideológicas. O estudo do contágio emocional pelas redes sociais, não deixa dúvida da existência de mecanismos passíveis de influenciar as emoções dos usuários através da manipulação do fluxo de informação, da mesma forma que é perfeitamente plausível trabalhar com as questões que envolvam seus princípios e valores.

Para atingir este objetivo é necessário identificar e compreender os principais algoritmos, ou parte destes, utilizados pelo Facebook na classificação das informações apresentadas ao usuário. Uma vez identificados estes processos, torna-se imperativo complementar com o suporte teórico para identificar de que forma os processos possam interferir no posicionamento ideológico e político deste usuário.

Justificativa

Os algoritmos dos filtro bolha, são desenvolvidos para proporcionar uma melhor experiência para o usuário, oferecendo a ele opções de conteúdo cada vez mais adequados à suas expectativas. Para atingir este objetivo eles “aprendem” através de diversos indicadores como “likes”, comentários, compartilhamentos e o tempo gasto em cada publicação no Facebook, e comparam seu perfil com outros usuários que de uma forma ou de outra, o algoritmo identifica como semelhante a você. Obviamente existem outros métodos e indicadores que aprimoram o resultado apresentado ao usuário. É importante considerar que estes algoritmos estão constantemente reavaliando suas preferências, de tal forma que se tornam recursivos, a ponto de criarem o que Pariser (2012) chama de “Síndrome do Mundo Bom”. A Síndrome do Mundo Bom é uma “purificação” dos interesses do usuário dada a forma como ele se relaciona na linha do tempo, e que o afasta de publicações que não são compatíveis com seus interesses.

Ao conectar estas questões informacionais com o conhecimento de autores de outros campos de estudo como sociologia, psicologia e filosofia, encontramos e identificamos os mecanismos pelos quais o poder político e ideológico do filtro bolha é exercido. Como exemplo, John Rendon (RAMPTON; STAUBER, 2003) se define como um “guerreiro da informação e um administrador de percepções”, para ele a chave para modificar a opinião pública está em encontrar diferentes formas de dizer a mesma coisa. Este padrão pode ser perfeitamente encontrado na Síndrome do Mundo Bom.

Partindo do principio que a grande maioria dos usuários da Internet desconhece a existência do filtro bolha, é de extrema importância produzir um estudo que possa orientar tanto os especialistas como o cidadão comum, tanto a cerca da existência de tal filtro, como seu impacto em diferentes partes de sua subjetividade.

Mantras da irracionalidade – Prosperidade

Mantras da irracionalidade são dogmas, conceitos e valores repetidos e assimilados por nossa sociedade que foram injetados em nossa cultura por estratégias de comunicação. São mantras que não nos pertencem, e que não resistem à uma analise. Muitos se surpreendem de repeti-los e ficam ainda mais surpresos em perceber que eles nunca foram questionados e que nunca foram construidos pelos indivíduos. O mundo a nossa volta esta cheio disto, aos poucos vamos revelando por aqui.

Vamos pensar um pouco em prosperidade, quem é prospero ou não em nossa sociedade e como avaliamos isto. Prosperidade é ter ou parecer ter? Prosperidade é ser ou parecer próspero? Somos prósperos ou meros coadjuvantes em um perverso sistema de poder? Mas afinal o que é prosperidade?

Prosperidade (do latim prosperitate) refere-se à qualidade ou estado de próspero, que, por sua vez, significa ditoso, feliz, venturoso, bem-sucedido, afortunado

Apolônio e Esnóbio

Imaginemos dois irmãos, Apolônio e Esnóbio. Apolônio nunca deu valor ao consumismo, mora na mesma casa no subúrbio há anos, é uma casa simples, mas muito confortável e espaçosa. Seu carro é um velho modelo 2005, mas está em boas condições, atende às necessidades de sua família. Apolônio leva uma vida confortável e sem sobressaltos. Esnóbio sempre foi ambicioso, mora em um apartamento em um luxuoso condomínio, a duas quadras da praia, seu carro é um modelo do ano, e leva uma vida agitada, trabalha muito e tem pouco tempo para a família, ao contrário de seu irmão Apolônio que tem a família em primeiro lugar.

Creio que você que esta lendo este texto já tenha feito juizo, então pergunto: Qual dos dois irmãos é o mais próspero: Apolônio ou Esnóbio? Não precisa responder agora, vamos continuar a história.

A esposa de Apolônio estava comentando com ele, que todo mês o irmão quer fazer uma retirada extra na empresa da família, eles são sócios em uma empresa de auto serviço. Apolônio já cansou de aconselhar o irmão à mudar seu estilo de vida, que se continuasse assim não haverá dinheiro suficiente para atender seus caprichos. Esnóbio invariavelmente respondia ao irmão que ele pensava pequeno e que nunca iria sair daquela casa do subúrbio e ia continuar andando com aquela “lata velha”. Apolônio não se importava, afinal nunca pensou em sair dali, a casa era boa, espaçosa e a vizinhança bem agradável. Como são sócios ambos fazem retiradas iguais, inclusive as extras. Além da sociedade com o irmão, Esnóbio da aula na faculdade a noite, ele enche os olhos dos alunos, como modelo de sucesso.

Agora você que esta lendo este texto tem condições de avaliar qual dos dois irmãos é o mais prospero? Então vamos continuar:

Apolônio comenta com a esposa que o irmão estava pagando quase 2 mil Reais por mês de condomínio, e ainda tinha a prestação do apartamento e do carro, que o irmão estava na verdada afundado em dívidas, trabalhava atrás do dinheiro e não na frente dele. Apolônio não conseguia aceitar o estilo de vida do irmão, achava que ele estava se tornando um escravo do consumo. Com sua casa e carros quitados, as retiradas de Apolônio estavam indo para aplicações da família, que todo ano viajava para o exterior, em especial este ano que o filho de Apolônio estava se preparando para fazer faculdade na França. O casamento de Esnóbio estava por um fio, sua esposa não podia aceitar o fato de não poder comprar um novo vestido para ir à festa da amiga socialite, e o filho do casal ainda não havia chegado do cursinho pré-vestibular, o menino estudava feito um louco para passar para uma faculdade pública, já que o pai falou que não iria pagar faculdade para marmanjo.

Veja você minha cara leitora e meu caro leitor, creio que não haja dúvida sobre quem de fato é próspero e quem não é. Nossa sociedade é assim, temos uma tendência enorme ao reducionismo, por conta disto somos vitimizados pelos mantras da irracionalidade. Esnóbio apesar de ter uma renda maior que Apolônio e apresentar sinais externos de prosperidade é na prática muito menos prospero que o irmão suburbano Apolônio. Imagino que não haja surpresa nesta revelação, mas vamos aos fatos.

A casa e o carro de Apolônio já estão quitados, apesar de ambos valerem 1/3 do valor do apartamento e do carro de Esnóbio, neste quesito o patrimônio de Apolônio é maior. O sistema é perverso, mesmo que Esnóbio tenha quitado 2/3 das parcelas do financiamento do seu carro, ele ainda esta devendo o valor do carro, mas o valor de compra e não de revenda, deste modo tudo que ele pagou até então no carro não teve impacto no seu patrimônio. O mesmo se dá com seu apartamento, ele esta pagando, mas ainda deve dois apartamentos. No caso de Esnóbio, ele não tem patrimônio algum, ele trabalha para girar a perversa roda do sistema bancário, que oferece crédito como se estivesse oferecendo deliciosas guloseimas para as crianças.

Quantos Esnóbios você conhece por ai?

O paradoxo do progresso

Desde que me entendo por gente vejo a tecnologia mudar o mundo à minha volta, os homens foram a lua, satélites e mais satélites, robôs nas fábricas, computadores, inteligência artificial, e muita ficção científica. Desde então a sociedade assistiu seu espaço ser invadido pela tecnologia. Tudo em nome do progresso que não poderia parar. Tivemos de assistir nossos postos de trabalho serem aniquilados, profissões dizimadas, e a tecnologia pouco a pouco ganhar o centro das atenções. Sindicatos, associações e outros representantes de coletivos foram a luta, mas sem sucesso, afinal o progresso não pode parar. O progresso é aliado do capital, o trabalho é despesa, o objetivo é o lucro.

Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
Diziam: a fita cassete vai acabar com a indústria fonográfica!

Pela ótica do capital esta tudo correto, quem lembra da reengenharia, um conceito até interessante, mas que fora usado como artifício para provocar a maior onda de demissões de todos os tempos. O capitalismo sempre foi focado no lucro, tanto que mão de obra até hoje é entendida como insumo, assim como os materiais, um orçamento sempre foi composto de insumos e lucro. Lucro este desejado, a palavra de ordem é competitividade, temos de ser competitivos, afinal o capitalismo é selvagem, e somente os mais competitivos sobrevivem. Entenda que não é nada pessoal, dizia o patrão ao demitir funcionários de longa data, é a busca pela competitividade e sobrevivência da empresa que esta em jogo, empresas não podem ter coração…

Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
Diziam: O video cassete vai acabar com a indústria cinematográfica!

A Arte da Guerra do Pai rico, que virou a própria mesa antes do Safari de Estratégias do Príncipe, na busca de um monge que virou executivo. Até hoje não sabemos quem roubou meu queijo, e nem quem foi o Fora de Série que chegou no Ponto da Virada em Caminhos e Escolhas na busca de um Freakonomics. Mesmo que o Marketing seja Lateral ou vá além do Buzz, ou gerenciamos a experiência do consumidor ou tentamos entender a cabeça do Brasileiro. O líder do Futuro faz uma Liderança Radical, diz que Sobreviver não é o bastante e não gosta de Sundae de Almôndegas. Tanta coisa fora sistematizada para alavancar o progresso, para girar a roda da fortuna em prol da competitividade e do lucro.

Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
Diziam: O CD vai acabar com o LP!

Meados dos anos noventa, o fim do mundo estava próximo, o bug do milênio que assombrava todo mundo, na verdade era apenas mais um mercado construído em cima de dúvidas e incertezas. Estávamos sendo usados mais uma vez. As profecias diziam: o fim do mundo esta próximo! A Internet chegou, uma nova parafernália eletrônica que chega para divertir os nerds e conectar os acadêmicos, um espaço de poucos. A Internet chegou!

Como falavam em globalização! O mundo como uma maravilhosa aldeia global, onde todos consumiriam alegremente, anunciavam o inevitável fim da cultura local, e enalteciam as maravilhas de mundo globalizado. Na prática estavam alinhavando novos mercados, o progresso não pode parar! Aquele tênis bacana é produzido no terceiro mundo por mão de obra escrava com uma marca registrada nos “Staites” que valia mais do que custava o sapato, que não valia nada. Era o tal do insumo que ficou pequeno perto do lucro, a ciência do preço agora contava com um fator de subjetividade ainda não entendido, mas pouco importa, felizes consumidores pagavam lucros exorbitantes para ostentar seu mimo. As corporações cresciam, cresciam como nunca…

Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
Diziam: Pirataria é crime!

B2B, B2C, G2B, G2C, A2Z; A2Z,G2B,B2C,G2C,B2B, e-learing, e-enterprise, e-commerce, e-gov, e-tudo. e-Siglas e letras 3 letras povoaram o vocabulário corporativo. A Economia Digital ensinava a Vender seu Peixe na Internet e tudo Fazia Sentido. Webonomics levou ao Net Gain, mas We the Media ainda não haviam estabelecido as Novas Regras da Comunidade. O capitalismo virou bits, o free shop ficou à dois cliques de distância, que beleza! Globalização! O mundo agora ficou pequeno, e todo mundo achando tudo muito lindo, não percebiam a intenção latente, a nova ordem era transformar empresas em mega corporações, maiores e mais poderosas que as nações…

Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
Tínhamos de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
Diziam: Agora quem manda são as corporações, afinal oferecemos aquilo que o fizemos desejar.

Descobriram o usuário, a Internet ficou popular, ficou fácil para qualquer um produzir, criar e compartilhar, deixem eles brincar diziam as novas nações-corporações, afinal o Culto dos Amadores não podem nos ameaçar. Mas as Novas Regras da Comunidade mostravam o Valor das Redes que através de seus Trust Agents corriam em busca de Socialnomics, mas na verdade estavam muito mais interessados no Group Genius. Esta sociedade conectada, alinhadas por ideologias eram vistas como excelentes oportunidades de negócios, afinal nichos e mega nichos sempre seduziram qualquer corporação em busca de novos mercados. Eles “brincavam”, faziam mashups, blogs, e se conectavam através de redes sociais. Excelente dizia o establishment, nosso plano de dominação vai de vento em popa…

Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
Diziam: O mundo de pontas esta se alinhando com o Manifesto Cluetrain.

Inteligência coletiva, cognição interativa, pensamento globalizado, juntos os usuários ficavam mais inteligentes, mais inteligentes que a soma das suas inteligências. Inteligência coletiva, crowdsourcing, dinheiro P2P, mobilização coletiva e o povo foi para as ruas sem um lider específico, sem uma pauta específica, a indignação mostrou sua cara. Era a crise da representativade que estava em jogo, era o modelo atual do mundo que estava em jogo, como diz Rushkoff, eles querem trocar o sistema operacional do establishment e dar um reboot geral.

Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
Diziam: O povo unido jamais será vencido!

Precisamos parar este trem diz o establishment preocupado, vamos estudar esta tal de Internet que agora quer nos pegar, vamos mudar a regra do jogo, vamos controlar as informações, basta dizer que pobres velhinhos são roubados na Internet, ou falar de pedofilia, ou ainda de gente pelada na rede, o velho discurso da pirataria não colava mais, mas TPP vem ai para nos vingar. Enquanto isto vamos dominar a infra-estrutura dizendo que Internet é telecomunicações, dizendo que Internet é um espaço de negócios e que deve seguir as regras do mercado, assim calamos nossos inimigos, e voltamos a lucrar como nunca.

Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
Eles vão ter de aceitar, afinal o progresso não pode parar…
Diziam: Quem manda no seu pais somos nós!!!

No limiar do ponto de ruptura

Estamos vivendo um momento extremamente crítico, movimentos globais nas quatro arenas (vídeo abaixo): Legal, Comportamental, Técnica e de Governança estão atuando em conjunto colocando em prática diversas estratégias para o controle da rede. Os atores deste processo são facilmente identificáveis: Na esfera corporativa são  os “atravessadores” do direito autoral e propriedade intelectual, as empresas de Telecomunicações, os bancos e a velha mídia. Na esfera governamental são as policias (em geral Federal), o judiciário, o executivo e o legislativo conservador. Estes atores atuam formando uma espécie de tripé que os sustentam, o Tripé do Atraso“, suas motivações são diversas, mas podemos reduzir a duas: dinheiro e poder.

Esta estratégia global de controle esta sendo conduzida com muita pressa, nas quatro arenas, e com planos de contingência em diversos níveis. Veja por exemplo que na arena legal tivemos a derrocada do SOPA no Congresso Americano e o surgimento do CISPA, o ACTA morreu na Comissão Européia, sendo negado pelo Parlamento Europeu, mas o TPP segue.  O maior risco à liberdade na rede está justamente na arena da Governança da Internet, pois em geral a sociedade desconhece os princípios de Governança da Internet (vídeo abaixo, e um movimento efetivo nesta arena pode realmente tomar o controle da Internet.

Ainda dentro do conceito de Governança da Internet residem conceitos sutis e mal interpretados são eles o conceito de neutralidade e a a separação entre serviço de valor adicionado e serviço de telecomunicações. Muita gente confunde neutralidade da Internet, que é um conceito técnico que se resume em isonomia no tráfego de dados, com conceitos como o da imparcialidade, dentre outros. No vídeo a seguir eu explico o conceito da Neutralidade, um princípio de extrema importância para a Internet e que precisa seguir estritamente as recomendações do CGI.BR, para continuemos com a Internet livre e universal. Deixar que governos e/ou empresas regulamentem a neutralidade pode ser um grave perigo para a rede, uma vez que apenas interesses econômicos e de controle serão os motores desta regulação.

No primeiro vídeo falo do conceito e da importância de separar o serviço de telecomunicações do serviço de valor adicionado, no Brasil por exemplo as empresas de Telecomunicações jamais deveriam poder prover acesso, mas como o fazem, querem agora através de um discurso leviano passar a mensagem de que nunca houve estas duas camadas, e isto justifica por exemplo o esvaziamento do CGI.BR que é o orgão normatizador responsável pela camada de valor adicionado. No Brasil esta distinção foi estabelecida pela Norma 4/95 da ANATEL. O atual Ministro das Comunicações, o Paulo Bernardo, defende a mudança na Norma 4/95, mesmo sobre fortes críticas, uma vez que estas mudanças seguirem os interesses das empresas de Telecomunicações poderão trazer graves danos à Internet.

Coincidências a parte, a tendência em modificar dois importantes conceitos de governança: neutralidade e a distinção dos conceitos de valor adicionado e serviço de telecomunicações, parece fazer parte de um movimento global e local, a própria ITU (UIT) agência da ONU responsável pelas telecomunicações esta desde fevereiro discutindo a portas fechadas mudanças no ITR, o regulamento global de telecom. Do que a sociedade civil já sabe, questões muito arriscadas tem surgido, inclusive a tendência de trazer a governança para debaixo dos governos. A consolidação desta discussão se dará em dezembro em Dubai, e ativistas do mundo todo estão preocupados com os resultados, uma vez que o ITU discute basicamente com representantes dos governos, e não envolve outros atores da sociedade em seus debates.  De forma preocupante vemos que esta tendência não esta ocorrendo apenas no Brasil e na ITU, nos Estados Unidos, o FCC por enquanto declinou de reclassificar a Internet como serviço de telecomunicações, mas ainda há risco. Resumindo parece estar havendo um movimento global para substituir o modelo multisetorial de governança, consolidado mundialmente como o melhor modelo, por um modelo focado apenas numa parceria entre o governo e as empresas de telecomunicações.

O Brasil possui um grande trunfo nesta luta que é o Marco Civil da Internet, considerado pelo Tech Dirt como um projeto de lei Anti-ACTA, e na verdade o Marco Civil pode nos proteger contra a maioria das ameaças, ou nos entregar de bandeja, tudo depende da redação que irá se tornar lei. Ciente disto o Ministro Paulo Bernardo em parceria com as Empresas de Telecomunicações fizeram um forte lobby e conseguiram esvaziar a sessão que iria vota-lo na Câmara dos Deputado no último dia 11/07. Ainda com base na redação mais recente, a regulamentação da neutralidade por decreto precisa ser mais bem detalhada, pois pode abrir uma brecha para a presidência simplesmente delegar esta função à ANATEL, através de decreto.

Ao que parece, o establishment tem pressa, muita pressa, pois eles  sabem que seus argumentos e discursos envelhecidos não irão encontrar eco frente à geração digital, que os interpretam da mesma forma como interpretamos o discurso dos “caçadores de bruxas” da Idade média. O ano de 2012 é o ano onde milhões de nativos digitais completarão 18 anos, e esta onda seguirá ano apos ano até que uma nova cultura possa se estabelecer… será que vai levar tanto tempo?

Uma tese é que ao mesmo tempo em que as corporações e governos se mobilizam em um movimento transnacional para controlar a Internet, a sociedade civil se mobiliza para resistir, o aquecimento desta tensão poderá antecipar o fenômeno da Singularidade das Multidões, trazendo à sociedade conectada uma capacidade cognitiva e coletiva jamais imaginada, provocando em curtissimo espaço de tempo profundas mudanças na sociedade, incluindo a quebra em massa de velhos paradigmas e a instalação de novos valores, vivenciaremos um choque geracional tão intenso que representará uma ruptura no que hoje entendemos por sociedade, economia, cultura e política.

Saudades da gaiola dourada

Hoje vejo a velha roda do lado de fora da gaiola e fico pensando, para que fui fugir da gaiola?…

Olho para o lado vejo hamsters felizes girando a roda como se não houvesse amanhã, suas gaiolas, muitas douradas são equipadas com um monte de tralha, quanto mais bonita e vistosa a gaiola, mais rápido gira a roda. Impressiona ver o hamster cansado se jogar da roda no sofá e ligar  o Imbecilizador, onde uma programação audiovisual o leva para um mundo de sonhos e consumo, que mostra o quanto é bom consumir, consumir, consumir… Veja como são belos e felizes os hamster consumistas, veja só aquele hamster do lado, diz a esposa, eles tem um cagador turbo, grande e confortável, e nos aqui neste cagador pequeno, você não tem vergonha não?!

Vendo isto o hamster olha para o relógio e pula na roda de volta e corre como se fosse alcançar o próprio rabo, um desespero por um cagador… Chega finalmente o cagador novo na gaiola de nosso amigo hamster, um hamster sério e trabalhador que não tem tempo para muita prosa. Hoje é domingo, e o hamster vai tomar uma cervejinha e ver um futebol, afinal ele merece. Chega em casa bêbado e acorda de ressaca com a cabeça latejando toma um “estupidex” e vai para a roda, gira como ninguém, mas dai começa a pensar, para que pensar??? O hamster para, toma uma birita a volta para a roda, acha o maior barato girar junto com ela, toma outra e decide girar a roda ao contrario e logo toma um esporro do Bank hamster. Como assim, girar ao contrário, você tem noção do perigo que é ser diferente? Consuma, consuma! O bom e nobre hamster volta a girar a roda novamente, a esposa hamster respira aliviada, pois já esta pensando em pintar a gaiola de ouro.  O cagador turbo já “orkutizou”, chique agora é ter a gaiola dourada, é o novo conceito em moradia diz a esposa hamster. Conceito do caralho! Resmunga o marido hamster pensando em como foi divertido girar a roda ao contrário, ria da cara do Bank hamster.

Neste domingo foi diferente, o hamster não foi tomar cerveja e nem assistir futebol, ficou apenas contemplando a roda pensativo…  Preocupada a esposa hamster o reprimiu: Você não sabe que pensar é perigoso?!  Em seguida ligou o Imbecilizador para tentar distrair o marido hamster,  este bateu a porta e saiu sem dizer para onde ia. Mais tarde ele voltou com um livro debaixo do braço: “A roda” de Hamster Max.  A esposa hamster aos prantos ajoelhou na frente do marido e implorou para que ele devolvesse aquele livro, ela lembrou o fim trágico  de todos que provaram daquela droga. Olha a miséria meu amor, eles abandonaram a roda e ficam debatendo e estudando o tempo todo, nem mesmo  possuem uma roda na gaiola, quando muito uma gaiola, são uns verdadeiros perdedores! A esposa implorou e o marido fingiu aceitar.  Mais tarde ele pegou as ferramentas e montou um dispositivo na roda, agora ele pode pedalar e ler enquanto faz a roda girar, a esposa morria de vergonha  afinal os maridos das amigas dela corriam elegantemente dentro da roda, já o nosso hamster parecia um pensador pedalando e debochando…

Nosso hamster saiu novamente e comprou livros e mais livros, lia e pedalava sem parar, a pobre esposa não sabia mais onde enfiar a cara.  O hamster comecou a pensar novamente, a esposa coitada, não podia comprar aquela ração “premium plus ultra du kacete”, teve de comer milho. O nosso hamster, resolveu sair e bateu de gaiola em gaiola convocando os vizinhos para conversar sobre uma idéia que ele teve.

No dia seguinte a esposa hamster acordou assustada pois tinham um monte de hamster na frente da gaiola, e o marido falou, fica calma vamos nos mudar, e começaram a alinhas as gaiolas, colocando uma ao lado da outra, mas o pesadelo estava por vir…. bom pelo menos para a visão consumista da esposa hamster, para o nosso heroi um sonho sendo posto em prática… Ela comeca a ver que os outros hamsters estavam retirando a roda de suas gaiolas e colocando na frente e enchendo de terra….  chegam na gaiola de nosso hamster e ele encontra a esposa de malas prontas, dizendo você decide: ou a roda ou eu! Não preciso dizer que a Sra Hamster teve de ir para a casa da mãe dela. Enquanto isto os hamsters plantavam nas velhas rodas nosso heroi havia criado uma comunidade capaz de suprir-se sem a necessidade de girar a roda indefinidamente, ele percebeu que consumia um monte de bobagem inúteis, que na pratica ele não necessitava. O Imbecilizador foi trocado por um Inteligentador conectado na Internet. Pouco a pouco a idéia maluca de nosso heroi peludo foi sendo disseminada, o tempo vago agora era preenchido com leituras, debates e a produção de conteúdo para seus blogs, sem contar que tinham tempo de fazer o mais importante, de compartilhar amor e afeto e ver os filhotes crescerem e participar disto, sem ter de terceirizar com babas e escola como no passado.

Mas o Bank hamster não estava gostando nada disto, as redes de imbecilização falavam diariamente dos perigos da Internet e do compartilhamento. Precisavam calar os hamsters revolucionários! Os Bank hamsters discutiram várias estratégias e começaram a coloca-las em prática, primeiro junto com a rede de imbecilização tentaram confundir as pessoas.  Diziam que os hamsters revolucionários eram produtores de “ratotóxicos”, e em nome da segurança trabalharam o mito de que as sementes plantadas em casa eram perigosas e poderiam ate mesmo produzir alucinações, por isto quem as consumia eram diferentes, agiam diferente, pensavam! Não colou! Muita gente estava trocando o Imbecilizador pelo Inteligentador e viram que a rede de imbecilizacao estava mentindo. Maldita Internet pensavam os Bank Hamsters, temos de eliminar a concorrência!

Os velhos e gordos Bank hamsters reuniram se em seu covil para discutir formas de  parar estes hamsters revolucionarios. Chegaram a conclusão de que o maior perigo não eram aquelas tribos de hamsters “sem rodas”,  poder estava mesmo é na Internet. Descobriram que os hamsters comuns usavam seus inteligentadores conectados à interner com a mesma eficiência dos imbecilizadores e sua rede decadente.

Perceberam que apenas os velhos hamsters, eram os poucos ainda controlados pelo sistema de imbecilização. Iniciaram a mais implacável campanha contra os Inteligentadores e a Internet, inventaram o “vicio em internet”, e para dar consistência ao factóide mostravam hamsters que haviam abandonado a roda por causa da Internet. Mostravam hamsters esclarecidos como sendo uma terrível consequência do excesso de informação, teve ate mesmo o Hamster Keen que escreveu um livro criticando os “sem roda” conectados, tentando provar que o modelo imbecilizante era melhor.

Vendo que não estavam surtindo efeito, os Bank hamsters se reuniram novamente, desta vez teremos de ser mais efetivos, temos de pensar numa forma de usar dogmas inquestionáveis para ter motivos para controlar a Internet, e dai surgiram os “maleficios” da rede foi um tal de falar em pedofilia e que hamsters velhinhos perdiam suas economias por causa de golpes virtuais.  Isto parece ter colado, mas será o benedito que ninguém parou para pensar que não existe pedofilia na Internet, e que os velhinhos são vitimas do desconhecimento e não da Internet. O que tem na Internet é pornografia infantil, resultado de um crime de pedofillia cometido em algum lugar, combater a pornografia infantil somente não vai resolver o problema. A Universidade de Hamstarvard fez um estudo mostrando que o aliciamento de menores pela Internet era insignificante, e mesmo assim as vitimas em geral já foram vitimas de aliciamento presencial. A culpa não era da Internet e sim dos pais hamsters, que so se preocupavam em rodar a roda, e terceirizavam a criação dos filhotes! Se não fosse isto teriam tempo de conversar com seus filhotes para orienta-los na Internet, mas como se eles mesmo não sabem usa-la?

Os Bank hasmters estavam conseguindo avançar, disseminaram medo, incertezas e dúvidas. Novas leia para “proteger” os filhotes e o hamsters velhos surgiam, e eram combatidas pelos “sem rodas”, que passaram a usar a rede como um canal de contra-informação.

Mais uma vez os Bank hamsters se reuniram no covil, desta vez  decidiram montar um verdadeiro plano de guerra, contrataram os melhores especialistas em Internet para desenvolver suas estratégias, perceberam que tinham de atuar em novas arenas, pois na legislativa era complicado, pois os “sem roda” sempre conseguiam ser ouvidos. Descobriram que regulamentar era mais fácil do que legislar, pois regulamento não precisa ser debatido. Mudaram de foco, na verdade abriram outras frentes, descobriram a governança da Internet, agora precisavam de uma forma de centraliza-la, assim tomariam o controle da Internet antes mesmo que os “Sem roda” pudessem fazer alguma coisa.  E assim decidiram juntar esforços com as empresas de telecomunicações, dando a elas mais lucro em troca de mais controle da rede. Só bastava agora colocar o plano em prática.

Bank hamsters do mundo todo decidiram formar acordos internacionais para controlar a Internet, o controle é importante contra os “sem roda”.  Redes sociais encantadoras foram cooptadas por reunir milhares ou até milhões de hamsters, formando verdadeiros jardins murados….  uma vez posicionados, em todas as arenas, os planos foram postos em pratica de forma simultânea, como se fosse uma verdadeira guerra, uma guerra desproporcional e com o objetivo de controlar o que antes era livre, uma guerra que tem por objetivo perpetuar o modelo da roda, o modelo que já não faz mais sentido. Não tem logica girar a roda continuamente, não queremos mais isto, fala o hamster revolucionario. Os ataques dos Bank hamsters são implacáveis, ao ponto do nosso revolucionário olhar para o lado e pensar: Quero voltar a ser um hamster burro, lobotomizado, não porque eu concorde com isto, mas porque já estou cansado desta guerra insana. Ao mesmo tempo percebe que sua mente não é mais a mesma, que agora ele é dono da própria subjetividade, e uma verdadeira dissonância cognitiva toma conta de seu corpo e sua alma, que o captura de seu momento de vacilo, para retornar a luta, a construção de um ideal, de um novo mundo do mundo dos hamsters sem roda….

Nota: Este texto foi criado num momento em que eu estava com um bloqueio de escrita, e brincando no Twitter produzi este texto, em pequenas pilulas de 140 caracteres em poucas horas.

2012 tempo de transição

Estamos em 2012, o mundo acaba agora no dia 21 de dezembro, aproveite! O mundo já acabou tantas vezes nos últimos anos que a cada “fim do mundo” ficamos mais céticos, já foram 242 previsões furadas desde o inicio dos tempos. Só de 1999 à 2012 tivemos 42, mas se tudo der errado os profetas ainda estão prevendo o fim do mundo para 2016, 2043 ou 2047… Vai que um dia alguém acerta!

Expectativas alarmistas sempre são um bom negócio, tem gente por ai fazendo bunkers e arcas para sobreviver ao fim do mundo, quantos não estão faturando muito com este novo fim do mundo? Lembra do bug do milênio e quanto a industria de TI faturou com o mito no final dos anos 90?

Previsões furadas a parte, o ano de 2012 carrega em torno de si uma aura de mudança, um importante conjunto de fatos e eventos que de uma forma ou de outra fará dele um ano marcante, um ano de transição, ou como diz a sabedoria Chinesa um ponto de mutação.

“Ao término de um período de decadência sobrevém o ponto de mutação. A luz poderosa que fora banida ressurge. Há movimento, mas este não é gerado pela força… O movimento é natural, surge espontaneamente. Por esta razão, a transformação do antigo torna-se fácil. O velho é descartado, e o novo é introduzido. Ambas as medidas se harmonizam com o tempo, não resultando dai, portanto, nenhum dano”

I Ching.

O ano de 2012 é realmente o ponto de transição, não a transição completa, mas o início irreversível dela, são a conjunção de vários fatores e eventos que juntos estão configurando esta mudança, a briga entre o novo e o velho existe há anos, e os mundos já estão em colisão desde o início do século como bem descreveu Nemo Nox em seu clássico Mundos em Colisão. No texto Nemo apresenta dois mundos: Planeta Alpha, onde a população desfruta de um ambiente de comunicação aberta e colaborativa; e o Planeta Ômega, onde as corporações têm controle quase absoluto sobre a informação que circula entre os habitantes, toda ela levando uma etiqueta com o preço de compra e as rígidas instruções de uso. O interessante de toda esta metáfora do “Mundos em Colisão” é que na verdade os dois mundos são um só.

O advento da Internet foi tão rápido e intenso que nós, os imigrantes digitais, fomos obrigados à adotar metáforas para entender e explica-lo: mundo real x mundo virtual. Uma dicotomia que fundamentou todo o debate desde 1994. Esta dicotomia sustentou leviandades, sustentou imbecilidades e pavimentou uma enorme gama de abobrinhas propaladas pelos neoludistas. O problema maior é quando estes neoludistas são políticos ou juristas, o preconceito pode causar desastres enormes como o famoso embate “Cicarelli x Youtube”, ou projetos de lei estúpidos como o AI5digital, SOPA, Hadopi e Sinde, só para citar alguns.

Medo e o preconceito são ingrediente de qualquer mudança, assim como a esperança e indignação, temos de admitir que a Internet teve um catalizador poderoso, pois as mudanças vistas nos últimos anos foram profundas e intensas. Este catalizador foi a comunicação, quem detê a comunicação, detém o poder, e a comunicação em rede além de poderosa é extremamente democrática, permitindo a todos fazerem parte de uma extensa rede não só de comunicação, mas também de construção cognitiva de conhecimento, uma vez que a Internet não é volátil.

Na edição 26 da Espírito Livre escrevi um artigo intitulado “A singularidade das multidões” onde desenvolvo a tese de que a tão falada singularidade tecnológica não se dará através do avanço da inteligência artificial, e sim da inteligência coletiva; e não serão as máquinas que dominarão o mundo e sim os nativos digitais.

Mas o que esta em jogo em 2012? Desde 2008 o mundo vem assistindo à uma crise de dimensões apocalípticas, diversos países do hemisfério norte estão com altas taxas de desemprego, e com grave recessão. O Brasil foi o último país a entrar na crise e o primeiro a sair, mas os países afetados pela crise estão caminhando de forma assustadora para uma espécie de neocolonialismo baseado em copyright, ou seja, estão super valorizando a questão do combate à pirataria e proteção da propriedade intelectual e direito autoral. SOPA, ACTA, HADOPI, Sinde e o famigerado AI5digital são exemplos claros de tentativas de controle da rede em nome deste movimento neocolonial. Os argumentos anteriores: combate ao ciberterrorismo, cibercrime e pedofilia estão perdendo força, mas no final das contas, o objetivo principal é controlar a Internet. Mas porque?

Em 2012 a Internet comercial completará 18 anos e junto com ela milhares de nativos digitais irão atingir a maioridade, mas quem são eles? Esta imprevisibilidade pode ser um dos motivos, quem lembra dos etnógrafos enviados à Campus Party pela Intel em 2009, estavam lá para pesquisar o comportamento dos nativos digitais, dos conectados. Creio que ainda não chegaram a uma conclusão de fato, pois a metodologia da etnografia em tempos digitais ainda esta em discussão. Sem dúvida alguma eles são diferente de nós os imigrantes digitais, sem a necessidade de transitar na dicotomia real x virtual, eles conseguem vivenciar a questão de que a Internet naturalizou e é tudo uma coisa só, a Internet faz parte do seu ecossistema. Certamente eles lidam melhor com as interações e construções em rede, eles pensam em rede, é como se nos fôssemos um programa rodando em linguagem interpretada e eles em linguagem compilada, estão revolucionando tudo, um perigo para o establishment!

É preciso adicionar um elemento a esta discussão, nem todo jovem de até 18 anos é um nativo digital, o letramento digital faz parte da sua construção, e este gap esta sendo reduzido em países que já perceberam que o seu maior ativo futuro esta justamente nos nativos digitais. Enquanto o Brasil esta ampliando este gap com seu PNBL neoliberal a R$ 35, com uma franquia de 300 MB por mês, e a sua pálida e inócua Secretaria Interministerial de Inclusão Digital; A India por exemplo esta ofertando à sua população banda larga à R$ 9,00 e Tablets a R$ 90,00!

A pesquisa “Digital Alternatives”, do Instituto Hivos, quebra alguns dogmas criados em torno do nativo digital, mostrando que existe uma grande pluralidade nesta parcela da sociedade, enterrando de vez as possíveis conclusões dos etnógrafos ai de cima. Todos os sinais apontam para um cenário muito bom, a pesquisa “O Sonho Brasileiro”, realizada com jovens de 18 a 24 anos, mostra alguns detalhes interessantes: 89% sentem orgulho em ser Brasileiro, 71% usam a Internet para fazer política e 75% pensam em fazer algo para o coletivo.

O debate amplia quando olhado por outros ângulos, entre 5 a 10% da população mundial será composta por este novo adulto já neste ano, e a maior concentração se dará nos países de terceiro mundo, quase a metade da população destes países esta abaixo de 18 anos. Enquanto nos países do primeiro mundo, a população esta envelhecendo e tende a ser mais conservadora, nos países do terceiro mundo, elas estão mais jovens e tendem a ser mais progressistas. Isto costura um cenário curioso, pois se de fato a “singularidade das multidões” ocorrer, ela será mais intensa justamente nos países de terceiro mundo.

As mudanças provocadas pela Internet estão sendo tão intensas e profundas que o próprio MidiaLab ressalta que não há nada que não seja afetado por ela, os intermediários entraram em crise, todos eles desde os partidos, sindicatos e até as grandes corporações. Crises precedem grandes mudanças, este ano veremos uma luta declarada, diferente da luta velada de outrora, contra a liberdade na rede, e uma outra ainda mais intensa no sentido contrário contando cada vez com a Inteligência das multidões, que vença o melhor!

Texto publicado originalmente para a revista Espirito Livre edição 33 de dezembro de 2011

 

 

A Internet sob cerco, os hackers não são o perigo real

Para quem pensa que os ataques são o real perigo que ronda a Internet, vamos deixar claro que não, o perigo maior é a criação do Momento Hobbesiano que a mídia esta fazendo. Ela fala de “onda de ataques” antes mesmo dos sites brasileiros terem sido atacados, como quem segue um script, o clima midiatico nos faz ter esta percepção subjugando nossa subjetividade como já sabemos. A mídia, ou melhor o PIG, este mesmo que cria maniacos como o Assasino de Realengo, agora esta querendo criar mais um factoide, factoide este sumariamente dizimado pelo Altiere Rohr.

Veja o video abaixo que produzi para o Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas com base na palestra que proferi no Encontro Estadual de Blogueiros Progressistas em Belo Horizonte no início deste mês, e entenda as reais ameaças que cercam a Internet, e surpreenda-se.