A natureza da Internet

Na construção de políticas públicas de Internet, seja nos fóruns de governança, parlamentos ou em outro espaço de construção, muito tempo e energia são investidos em torno da definição da natureza da Internet, sem que seus interlocutores em geral tomem ciência disto. Cada stakeholder defende que a natureza da rede seja a que melhor serve à seus interesses. Para uns a Internet é uma rede de negócios, para outros uma rede de telecomunicações, ou mídia para muitos, campo de batalha para outros, uma gigantesca rede de construção coletiva e cognitiva de conhecimento, uma rede de pessoas, uma rede de inclusão, uma rede de conhecimento, uma ferramenta ou até mesmo uma rede militar.

Na prática ao definir a sua visão da natureza da Internet, o interlocutor vislumbra uma “arena” na qual seus valores e pontos de vista tornam-se mais plausíveis, deixando-o mais confortável na construção de seus argumentos.  Faz parte da estratégia política e diplomática a transmutação em torno da natureza do objeto, voluntária ou involuntariamente, tanto para reforçar argumentos quanto para construir a percepção de dissenso, ou pela simples complexidade do objeto em pauta. Você pode imaginar que a simples transmutação em torno do objeto, no caso a natureza da Internet, pode inviabilizar infindáveis horas investidas em construções de políticas de Internet. Quanto este objeto é a Internet, que é relativamente novo e ainda esta sendo apropriado, temos um objeto liquido em torno do qual circulam diversas definições de sua natureza, onde todas são válidas, mas mesmo juntas não conseguem chegar a definir sua natureza.

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A natureza da Internet ainda é um “anekantavada“, expressão que refere-se aos princípios do pluralismo e da multiplicidade de pontos de vista, em que a verdade e a realidade são entendidos de forma diferente consoante a perspectiva, e que nenhum ponto de vista consegue abranger toda a verdade. O anekantavada pode ser explicado facilmente pela parábola dos cegos e o elefante, onde cada cego interpretava o animal conforme sua percepção da parte que tocava. Todos tinham suas interpretações em torno da natureza do animal, e que mesmo juntas não definiriam toda a verdade à cerca da natureza do elefante.

A natureza da Internet ainda é um “anekantavada”, expressão que refere-se aos princípios do pluralismo e da multiplicidade de pontos de vista, em que a verdade e a realidade são entendidos de forma diferente consoante a perspectiva, e que nenhum ponto de vista consegue abranger toda a verdade.

Na busca desta definição vale analisar como pensadores tratam a natureza humana. O antropologista Clifford Geertz diz que seres humanos são animais inacabados, ou seja, que é da natureza humana ter uma natureza humana a qual é praticamente o produto da sociedade em que vivemos. A nossa natureza humana é muito mais criada do que é descoberta. Nos moldamos a natureza humana moldando as instituições nas quais as pessoas vivem e trabalham.

Barry Schwartz no livro Why we work diz que a natureza humana sera alterada pelas teorias que temos, que são elaboradas para explicar e nos ajudar a entender os seres humanos.

Pela ótica de Geertz e Schwartz a natureza humana é produto da sociedade em que vivemos, ou seja, a natureza humana é dependente do seu entorno, ela muito mais criada em resposta ao contexto onde esta inserida do que descoberta. Por esta linha, é interessante identificar inicialmente o contexto onde a Internet está inserida, e isto nos remete às arenas que citei anteriormente.  As arenas não são o contexto, a própria Internet é o contexto, estamos justamente buscando a natureza do contexto, as arenas são neste caso as diferentes aproximações à este contexto. Avaliar a natureza da Internet usando as mesmas ferramentas com que se avalia a natureza humana é um claro equivoco. Ainda no campo das aproximações podemos chegar ao conceito de ecossistema:

Ecossistema (grego oikos (οἶκος), casa + systema (σύστημα), sistema: sistema onde se vive) designa o conjunto formado por todas as comunidades bióticas que vivem e interagem em determinada região e pelos fatores abióticos que atuam sobre essas comunidades.

Leslie Daigle, uma das poucas pesquisadoras à estudar o tema, parece basear seu estudo “On the nature of the Internet” na busca do entendimento da natureza da Internet baseado no conceito de ecossistema, analisando três pontos:

  • Delinear a natureza técnica da Internet;
  • Articular as propriedades imutáveis ​​do Internet (os “invariantes”);
  • Buscar o equilibrio entre estes dois elementos para examinar os desafios atuais enfrentados pela Internet..

O estudo da Leslie vale a pena ser cuidadosamente lido, estudado e comentando, e a conclusão dialoga muito bem com a provocação inicial deste artigo, como segue:

A Internet não é um acidente, e enquanto ele se desenvolveu através da evolução em resposta a mudanças de requisitos, o seu desenvolvimento não foi aleatória ou impensado. Existem propriedades essenciais da Internet que deve ser apoiadas para que ela continue sua sequência de sucesso continuado. Já não é possível compreender a natureza da Internet sem considerar o mundo em que ela existe – como tal, as considerações de tecnologia podem estar no centro de determinar o que funciona (ou não) para a Internet, mas um quadro não-técnico para discutir eventuais compensações é imperativo. Os invariantes podem servir como uma estrutura útil para discutir os impactos sem ter que se aprofundar nos detalhes intrincados da tecnologia que impulsiona a Internet. Com o quadro em mente, discussões de políticas podem se concentrar no que pode ser feito para resolver um problema e avaliar os impactos potenciais sobre a Internet.

A provocação inicial deste texto visava leva-lo à uma reflexão e desejo continuar esta busca ou atualização que no meu enteder vai além do que foi visto até então.

Zero-rating e a criação de castas digitais

A neutralidade da rede teve um dia especialmente dedicado durante o último Fórum de Governança da Internet em Istambul, três painéis foram dedicados ao assunto: O primeiro foi exatamente sobre Zero-Rating: Net Neutrality, Zero-Rating & Development: What’s the Data? o segundo foi Network Neutrality: a Roadmap for Infrastructure Enhancement e por último, na sessão principal Network Neutrality: Towards a Common Understanding of a Complex Issue e o tema zero-rating foi abordado nos três painéis.

Zero-rating, ou dados patrocinados, é a prática das operadores de redes móveis (MNO) e operadores móveis virtuais (MVNO) de não cobrar os clientes finais para um volume bem definido de dados de aplicações específicas ou serviços de Internet via rede sem fio da MNO em planos de dados limitados ou medidos e tarifas.

O preço desta gratuidade será muito elevado para os países em desenvolvimento. Eu percebo que os danos da taxa zero superam os benefícios, no Brasil, por exemplo, o Facebook gratis refletiu numericamente as metas de inclusão digital do governo, mas, por outro lado, temos novos usuários condenado a ser analfabetos digitais eternos.

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Imaginem as pessoas que sua primeira experiência com a Internet foi através de serviços zero-rating. Você deve admitir que há uma grande diferença entre a sua percepção da Internet, como imigrante digital, e a percepção de nativos digitais. Imaginem o tamanho da lacuna entre a percepção da Internet por alguém que foi “letrado digitalmente” com antolhos.

Os proponentes do zero-rating argumentam que o usuário tem livre escolha de conteúdos, mas como eles podem escolher entre opções que ele desconhece? Mais de 76% dos celulares são pré-pagos no Brasil, os menos favorecidos muitas vezes creditam valores baixos em seus celulares, e com pouca frequencia, uma vez que eles podem continuar recebendo chamadas por meses sem qualquer valor de crédito. Mas com zero-rating podem acessar gratuitamente o Facebook, a sua visão de Internet. A qualquer momento, quando um link externo é clicado, uma mensagem informa ao usuário se ele continuar será cobrado. Não é difícil imaginar o que este usuário vai decidir.

Por simplesmente limitar as possibilidades de acesso para um segmento da nossa sociedade, estamos criando um verdadeiro sistema de castas digital, onde os mais pobres serão condenados à eterna ignorância digital. Eli Pariser, em seu livroThe  Filter Bubble”, mostra como a personalização (a bolha) afetam a criatividade: Limitar o “horizonte de soluções”, descontextualizar informações e reduzir as possibilidades de busca e de aquisição de mais informações. É necessário ter muito cuidado com a generosidade oferecida pelo zero-rating, o provedor de conteúdo pode criar um sistema de curadoria, proporcionando uma inclusão digital falsa, mas mantendo o controle das informações que os usuários podem receber, o nome disto é controle social.

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A outra face desta ameaça já estão em andamento no Chile, onde as empresas de Telecoms estão dizendo que a neutralidade da rede é a razão do Chile ter “matado” o livre acesso à Wikipedia e Facebook. A perplexidade sobre essa compreensão é a tentativa de naturalizar o zero-rating, como conceito de acesso gratuito à Internet. Esta batalha virá em breve no Brasil com a regulamentação do Marco Civil“, que pode proibir o zero-rating.

Movendo-se para a arena dos empreendedorismo, zero-rating é muito perigoso para a inovação, uma vez que o usuário não pode ver e experimentar novos projetos e serviços on-line até que o empreendedor faça um acordo zero-rating.

Mantras da irracionalidade – Prosperidade

Mantras da irracionalidade são dogmas, conceitos e valores repetidos e assimilados por nossa sociedade que foram injetados em nossa cultura por estratégias de comunicação. São mantras que não nos pertencem, e que não resistem à uma analise. Muitos se surpreendem de repeti-los e ficam ainda mais surpresos em perceber que eles nunca foram questionados e que nunca foram construidos pelos indivíduos. O mundo a nossa volta esta cheio disto, aos poucos vamos revelando por aqui.

Vamos pensar um pouco em prosperidade, quem é prospero ou não em nossa sociedade e como avaliamos isto. Prosperidade é ter ou parecer ter? Prosperidade é ser ou parecer próspero? Somos prósperos ou meros coadjuvantes em um perverso sistema de poder? Mas afinal o que é prosperidade?

Prosperidade (do latim prosperitate) refere-se à qualidade ou estado de próspero, que, por sua vez, significa ditoso, feliz, venturoso, bem-sucedido, afortunado

Apolônio e Esnóbio

Imaginemos dois irmãos, Apolônio e Esnóbio. Apolônio nunca deu valor ao consumismo, mora na mesma casa no subúrbio há anos, é uma casa simples, mas muito confortável e espaçosa. Seu carro é um velho modelo 2005, mas está em boas condições, atende às necessidades de sua família. Apolônio leva uma vida confortável e sem sobressaltos. Esnóbio sempre foi ambicioso, mora em um apartamento em um luxuoso condomínio, a duas quadras da praia, seu carro é um modelo do ano, e leva uma vida agitada, trabalha muito e tem pouco tempo para a família, ao contrário de seu irmão Apolônio que tem a família em primeiro lugar.

Creio que você que esta lendo este texto já tenha feito juizo, então pergunto: Qual dos dois irmãos é o mais próspero: Apolônio ou Esnóbio? Não precisa responder agora, vamos continuar a história.

A esposa de Apolônio estava comentando com ele, que todo mês o irmão quer fazer uma retirada extra na empresa da família, eles são sócios em uma empresa de auto serviço. Apolônio já cansou de aconselhar o irmão à mudar seu estilo de vida, que se continuasse assim não haverá dinheiro suficiente para atender seus caprichos. Esnóbio invariavelmente respondia ao irmão que ele pensava pequeno e que nunca iria sair daquela casa do subúrbio e ia continuar andando com aquela “lata velha”. Apolônio não se importava, afinal nunca pensou em sair dali, a casa era boa, espaçosa e a vizinhança bem agradável. Como são sócios ambos fazem retiradas iguais, inclusive as extras. Além da sociedade com o irmão, Esnóbio da aula na faculdade a noite, ele enche os olhos dos alunos, como modelo de sucesso.

Agora você que esta lendo este texto tem condições de avaliar qual dos dois irmãos é o mais prospero? Então vamos continuar:

Apolônio comenta com a esposa que o irmão estava pagando quase 2 mil Reais por mês de condomínio, e ainda tinha a prestação do apartamento e do carro, que o irmão estava na verdada afundado em dívidas, trabalhava atrás do dinheiro e não na frente dele. Apolônio não conseguia aceitar o estilo de vida do irmão, achava que ele estava se tornando um escravo do consumo. Com sua casa e carros quitados, as retiradas de Apolônio estavam indo para aplicações da família, que todo ano viajava para o exterior, em especial este ano que o filho de Apolônio estava se preparando para fazer faculdade na França. O casamento de Esnóbio estava por um fio, sua esposa não podia aceitar o fato de não poder comprar um novo vestido para ir à festa da amiga socialite, e o filho do casal ainda não havia chegado do cursinho pré-vestibular, o menino estudava feito um louco para passar para uma faculdade pública, já que o pai falou que não iria pagar faculdade para marmanjo.

Veja você minha cara leitora e meu caro leitor, creio que não haja dúvida sobre quem de fato é próspero e quem não é. Nossa sociedade é assim, temos uma tendência enorme ao reducionismo, por conta disto somos vitimizados pelos mantras da irracionalidade. Esnóbio apesar de ter uma renda maior que Apolônio e apresentar sinais externos de prosperidade é na prática muito menos prospero que o irmão suburbano Apolônio. Imagino que não haja surpresa nesta revelação, mas vamos aos fatos.

A casa e o carro de Apolônio já estão quitados, apesar de ambos valerem 1/3 do valor do apartamento e do carro de Esnóbio, neste quesito o patrimônio de Apolônio é maior. O sistema é perverso, mesmo que Esnóbio tenha quitado 2/3 das parcelas do financiamento do seu carro, ele ainda esta devendo o valor do carro, mas o valor de compra e não de revenda, deste modo tudo que ele pagou até então no carro não teve impacto no seu patrimônio. O mesmo se dá com seu apartamento, ele esta pagando, mas ainda deve dois apartamentos. No caso de Esnóbio, ele não tem patrimônio algum, ele trabalha para girar a perversa roda do sistema bancário, que oferece crédito como se estivesse oferecendo deliciosas guloseimas para as crianças.

Quantos Esnóbios você conhece por ai?

Orgulho transnacional

Se tem um espaço onde posso vivenciar fortemente o orgulho de ser Brasileiro perante a comunidade Internacional, este espaço são os Fóruns de Governança como o IGF – Internet Governance Forum , LACIGF e reuniões da ICANN.

Para quem não sabe o Brasil é excelência e pioneiro no modelo multistakeholder de Governança da Internet, considerado o melhor e mais democrático modelo de governança da Internet. E ainda temos os projetos de leis mais progressistas e modernos do mundo, se bem que os Patetas Digitais do Planalto fazem de tudo para estragar isto, mas vamos conseguir. Estes projetos são:

Marco Civil da Internet – Projeto construido com a participação da sociedade em duas consultas públicas e diversas audiências públicas e seminários, é um projeto de princípios legais da Internet, único no mundo, e que tem uma grande expectativa da comunidade Internacional. Este projeto atualmente esta na Câmara dos Deputados e ganhou Urgência Constitucional e deve virar lei ainda este ano. Seus principais “INIMIGOS” são as empresas de Telecomunicações e a Indústria do Copyright.

Reforma da Lei de Direito Autoral – Projeto construido com a participação da sociedade em duas consultas públicas, é um projeto de modernização da legislação de direito autoral, para torna-la compatível com os tempos atuais, com vistas ao uso justo e respeito ao ambiente digital e a cultura do mashup e licenças de uso modernas e à gestão coletiva de direitos autorais. Este projeto foi sensivelmente piorado durante a gestão da Ministra Ana de Hollanda. O projeto tem justamente a Indústria do Copyright e o ECAD como principais inimigos e ainda esta no poder executivo.

Proteção de dados Pessoais – Projeto construido com a participação da sociedade com consulta pública, é um projeto que visa estabelecer regras de como as empresas e governos usarão nossos dados pessoais. Este projeto esta paralisado no poder Executivo.

Por fim, é interessante observar nos links dos projetos de lei, que incontestavelmente eles pararam na gestão da atual Presidente Dilma…

 

2012 tempo de transição

Estamos em 2012, o mundo acaba agora no dia 21 de dezembro, aproveite! O mundo já acabou tantas vezes nos últimos anos que a cada “fim do mundo” ficamos mais céticos, já foram 242 previsões furadas desde o inicio dos tempos. Só de 1999 à 2012 tivemos 42, mas se tudo der errado os profetas ainda estão prevendo o fim do mundo para 2016, 2043 ou 2047… Vai que um dia alguém acerta!

Expectativas alarmistas sempre são um bom negócio, tem gente por ai fazendo bunkers e arcas para sobreviver ao fim do mundo, quantos não estão faturando muito com este novo fim do mundo? Lembra do bug do milênio e quanto a industria de TI faturou com o mito no final dos anos 90?

Previsões furadas a parte, o ano de 2012 carrega em torno de si uma aura de mudança, um importante conjunto de fatos e eventos que de uma forma ou de outra fará dele um ano marcante, um ano de transição, ou como diz a sabedoria Chinesa um ponto de mutação.

“Ao término de um período de decadência sobrevém o ponto de mutação. A luz poderosa que fora banida ressurge. Há movimento, mas este não é gerado pela força… O movimento é natural, surge espontaneamente. Por esta razão, a transformação do antigo torna-se fácil. O velho é descartado, e o novo é introduzido. Ambas as medidas se harmonizam com o tempo, não resultando dai, portanto, nenhum dano”

I Ching.

O ano de 2012 é realmente o ponto de transição, não a transição completa, mas o início irreversível dela, são a conjunção de vários fatores e eventos que juntos estão configurando esta mudança, a briga entre o novo e o velho existe há anos, e os mundos já estão em colisão desde o início do século como bem descreveu Nemo Nox em seu clássico Mundos em Colisão. No texto Nemo apresenta dois mundos: Planeta Alpha, onde a população desfruta de um ambiente de comunicação aberta e colaborativa; e o Planeta Ômega, onde as corporações têm controle quase absoluto sobre a informação que circula entre os habitantes, toda ela levando uma etiqueta com o preço de compra e as rígidas instruções de uso. O interessante de toda esta metáfora do “Mundos em Colisão” é que na verdade os dois mundos são um só.

O advento da Internet foi tão rápido e intenso que nós, os imigrantes digitais, fomos obrigados à adotar metáforas para entender e explica-lo: mundo real x mundo virtual. Uma dicotomia que fundamentou todo o debate desde 1994. Esta dicotomia sustentou leviandades, sustentou imbecilidades e pavimentou uma enorme gama de abobrinhas propaladas pelos neoludistas. O problema maior é quando estes neoludistas são políticos ou juristas, o preconceito pode causar desastres enormes como o famoso embate “Cicarelli x Youtube”, ou projetos de lei estúpidos como o AI5digital, SOPA, Hadopi e Sinde, só para citar alguns.

Medo e o preconceito são ingrediente de qualquer mudança, assim como a esperança e indignação, temos de admitir que a Internet teve um catalizador poderoso, pois as mudanças vistas nos últimos anos foram profundas e intensas. Este catalizador foi a comunicação, quem detê a comunicação, detém o poder, e a comunicação em rede além de poderosa é extremamente democrática, permitindo a todos fazerem parte de uma extensa rede não só de comunicação, mas também de construção cognitiva de conhecimento, uma vez que a Internet não é volátil.

Na edição 26 da Espírito Livre escrevi um artigo intitulado “A singularidade das multidões” onde desenvolvo a tese de que a tão falada singularidade tecnológica não se dará através do avanço da inteligência artificial, e sim da inteligência coletiva; e não serão as máquinas que dominarão o mundo e sim os nativos digitais.

Mas o que esta em jogo em 2012? Desde 2008 o mundo vem assistindo à uma crise de dimensões apocalípticas, diversos países do hemisfério norte estão com altas taxas de desemprego, e com grave recessão. O Brasil foi o último país a entrar na crise e o primeiro a sair, mas os países afetados pela crise estão caminhando de forma assustadora para uma espécie de neocolonialismo baseado em copyright, ou seja, estão super valorizando a questão do combate à pirataria e proteção da propriedade intelectual e direito autoral. SOPA, ACTA, HADOPI, Sinde e o famigerado AI5digital são exemplos claros de tentativas de controle da rede em nome deste movimento neocolonial. Os argumentos anteriores: combate ao ciberterrorismo, cibercrime e pedofilia estão perdendo força, mas no final das contas, o objetivo principal é controlar a Internet. Mas porque?

Em 2012 a Internet comercial completará 18 anos e junto com ela milhares de nativos digitais irão atingir a maioridade, mas quem são eles? Esta imprevisibilidade pode ser um dos motivos, quem lembra dos etnógrafos enviados à Campus Party pela Intel em 2009, estavam lá para pesquisar o comportamento dos nativos digitais, dos conectados. Creio que ainda não chegaram a uma conclusão de fato, pois a metodologia da etnografia em tempos digitais ainda esta em discussão. Sem dúvida alguma eles são diferente de nós os imigrantes digitais, sem a necessidade de transitar na dicotomia real x virtual, eles conseguem vivenciar a questão de que a Internet naturalizou e é tudo uma coisa só, a Internet faz parte do seu ecossistema. Certamente eles lidam melhor com as interações e construções em rede, eles pensam em rede, é como se nos fôssemos um programa rodando em linguagem interpretada e eles em linguagem compilada, estão revolucionando tudo, um perigo para o establishment!

É preciso adicionar um elemento a esta discussão, nem todo jovem de até 18 anos é um nativo digital, o letramento digital faz parte da sua construção, e este gap esta sendo reduzido em países que já perceberam que o seu maior ativo futuro esta justamente nos nativos digitais. Enquanto o Brasil esta ampliando este gap com seu PNBL neoliberal a R$ 35, com uma franquia de 300 MB por mês, e a sua pálida e inócua Secretaria Interministerial de Inclusão Digital; A India por exemplo esta ofertando à sua população banda larga à R$ 9,00 e Tablets a R$ 90,00!

A pesquisa “Digital Alternatives”, do Instituto Hivos, quebra alguns dogmas criados em torno do nativo digital, mostrando que existe uma grande pluralidade nesta parcela da sociedade, enterrando de vez as possíveis conclusões dos etnógrafos ai de cima. Todos os sinais apontam para um cenário muito bom, a pesquisa “O Sonho Brasileiro”, realizada com jovens de 18 a 24 anos, mostra alguns detalhes interessantes: 89% sentem orgulho em ser Brasileiro, 71% usam a Internet para fazer política e 75% pensam em fazer algo para o coletivo.

O debate amplia quando olhado por outros ângulos, entre 5 a 10% da população mundial será composta por este novo adulto já neste ano, e a maior concentração se dará nos países de terceiro mundo, quase a metade da população destes países esta abaixo de 18 anos. Enquanto nos países do primeiro mundo, a população esta envelhecendo e tende a ser mais conservadora, nos países do terceiro mundo, elas estão mais jovens e tendem a ser mais progressistas. Isto costura um cenário curioso, pois se de fato a “singularidade das multidões” ocorrer, ela será mais intensa justamente nos países de terceiro mundo.

As mudanças provocadas pela Internet estão sendo tão intensas e profundas que o próprio MidiaLab ressalta que não há nada que não seja afetado por ela, os intermediários entraram em crise, todos eles desde os partidos, sindicatos e até as grandes corporações. Crises precedem grandes mudanças, este ano veremos uma luta declarada, diferente da luta velada de outrora, contra a liberdade na rede, e uma outra ainda mais intensa no sentido contrário contando cada vez com a Inteligência das multidões, que vença o melhor!

Texto publicado originalmente para a revista Espirito Livre edição 33 de dezembro de 2011

 

 

A Matriz de forças da sustentabilidade

Há pouco mais de um ano escrevi um texto chamando Sustentabilidade Insustentável, uma provocação que deu certo. Nele eu destacava que na prática em se tratando de sustentabilidade, somos quase todos hipócritas e egoístas, pois ao mesmo tempo que nos tornamos verdes, continuamos agindo como se o mundo fosse um gigantesco shopping. Propus que a única forma de mudar o mundo seria mudando profundamente nosso estilo de vida, repensar o consumo e o capitalismo, e fechei ressaltando que temos de pensar e agir coletivo, antes que o próximo cataclismo venha nos ensinar.

Na busca de fundamentar o tema, comecei a chegar a conclusão que não existem apenas duas forças. Admito que a cultura do consumo e a cultura verde são duas forças importantes, mas não são as únicas. Existem outras e a interferência entre elas, tanto as ameaças artificiais na natureza quanto as naturais no espaço do artificial, ou as forças da natureza sobre o planeta e sobre os bens artificiais e tecnológicos. Na análise da matriz tanto as forças naturais como artificiais podem se alinhar e provocar ainda mais danos nos dois sistemas: o natural e o artificial, entendeu? Pois é, eu ainda não cheguei a uma conclusão, mas nada mais natural do que compartilhar as idéias para que elas se desenvolvam no ecossistema social.

Mapeando as forças cheguei a uma matriz muito semelhante à Matriz de Porter, que analisa as cinco forças que determinam a sustentabilidade de um mercado dentro de um ambiente capitalista. Esta abordagem não tem nada de científica, o foco aqui é mais filosófico, e obviamente não tem nenhuma pretensão de ser conclusivo.

As cinco forças

As cinco forças da sustentabilidade atuam numa matriz onde o bem é o próprio planeta, e são elas:

  • Forças da natureza – efeitos naturais que afetam o planeta, são forças que independem da ação do homem tais como terremotos, erupções vulcânicas, tsunamis, tempestades, forças das marés, enchentes, pragas, doenças e etc…
  • Ameaças artificiais – são forças decorrentes da interferência do homem no planeta, configuram-se novas ameaças ou potencializam os efeitos naturais.
  • Ameaças naturais – são forças naturais externas ao planeta, tais como tempestades solares, meteoros, forças de atração interplanetárias e outros por exemplo.
  • Cultura verde – é a força de sustentação do planeta, a cultura ecológica que visa interferir na recuperação do meio ambiente.
  • Cultura do consumo – é a cultura do consumo criada em 1955 por Victor Lebow para favorecer o crescimento do capitalismo. E hoje somos vitimas desta cultura que consome a nos, nossos laços familiares e afetivos e principalmente o planeta.

No texto Sustentabilidade Insustentável ficou clara a interação entre as forças da Cultura verde e da Cultura do consumo, mas também ficou claro que esta interação não é frontal. A cultura verde ainda não se posicionou frontalmente contra a cultura do consumo, esta interação hoje ainda se dá de forma tangencial. Entretanto o posicionamento frontal é a tendência para que a resultante destas duas forças seja nula. Mas porque ainda não temos um posicionamento frontal entre estas duas forças?

Durante a Crise Econômica Mundial de 2008-2009, os países envolvidos injetaram cerca de U$ 10 Trilhões para salvar a economia, ou seja U$1.422,00 por habitante do planeta! Proteger os principais ecossistemas mundiais por 30 anos custaria apenas U$ 1,3 Trilhões, ou erradicar a fome no planeta apenas U$ 30 milhões por ano. Você acha que os governos investiriam esta quantia para salvar o planeta? Provavelmente não, e não que os governos sejam maus, e sim porque todos nos vivemos num perverso sistema de dogmas e valores, onde o capital e a propriedade intelectual estão acima das pessoas, dos direitos civis e até do direito à vida.

Segundo Douglas Rushkoff o capitalismo é o sistema operacional da sociedade atual. Ou seja todos o nosso sistema de valores, dogmas e padrões comportamentais estão baseados neste sistema operacional chamado capitalismo e acrescento que o “shell” é a cultura do consumo de Victor Lebow, que nada mais é do que a maior força destrutiva do meio ambiente da atualidade. Rushkoff ressalta que já houveram outros “sistemas operacionais” na história da humanidade e assim como o capitalismo que é uma invenção do homem, o próximo sistema também o será.

Voltando alguns parágrafos atrás podemos concluir que as culturas verde e do consumo não se enfrentam frontalmente porque a cultura verde teria de negar o capitalismo para fazer este enfrentamento, e uma sociedade “rodando” sobre o capitalismo simplesmente iria reagir contra o confronto. Ou seja, não enfrentamos o capitalismo e a cultura do consumo que devoram o planeta porque simplesmente não conseguimos achar alternativas para o primeiro e nem nos entender sentindo prazer sem o segundo, esta é a pura verdade. Será necessário um profundo pensar “fora da caixa” para achar uma solução para este paradoxo.

No livro The End of Money and The Future of Civilization, Thomas Greco fala que qualquer crescimento exponencial é insustentável, e cita que três crescimento exponenciais na atualidade: O nível de CO2 na atmosfera, a população humana e o endividamento. Todos os três nos levam à um sistema em crise, o crescimento do nível de CO2 na atmosfera intensifica o aquecimento global e é uma das forças chamadas de ameaças artificiais, o crescimento da população humana também se enquadra nesta força pois nossa tecnologia afastou de nós nosso inimigos naturais, e segundo estudos o planeta só suporta o dobro da população atual. O endividamento deu seu primeiro sinal na crise recente, e colocou a eficiência do sistema na roda de discussão e o capitalismo em cheque. O colapso anunciado dos três sistemas será bom para o planeta e ruim para a humanidade.

História das coisas é um projeto que tem por objetivo mostrar que o sistema capitalista esta em crise e que é preciso mudar muita coisa, alias foi este projeto que me motivou escrever este artigo. No video do projeto a autora ressalta alguns fatos preocupantes: Somente nas três últimas décadas foram consumidos 33% dos recursos naturais existentes no planeta; Para cada saco de lixo que dispensamos, outros 70 foram dispensados no processo de fabricação; Os EUA com 5% das população mundial consomem 30% dos recursos naturais extraídos.

O cenário não é nada favorável, e ainda temos de acrescentar as forças de ameaças naturais e artificiais na equação, uma tempestade solar anunciada promete dizimar todo tipo de equipamento eletrônico, isto é um exemplo de interação das ameaças naturais no espaço do artificial. A interação das forças nos espaços naturais e artificiais pode configurar novas forças e novos cenários, é importante pararmos para analisar isto.

É importante repensarmos novos valores, para muitos será impossível pensar num mundo sem a cultura do consumo, mas para a sociedade conectada isto pode ser bem mais fácil. Temos de pensar diferente, retornar os bens duráveis, dizimar a cultura do consumo. Temos ai a rede Metareciclagem que tem por proposta a desconstrução da tecnologia para a transformação social, dando novas funcionalidades a hardwares descartados. A cultura livre é um ótimo exemplo de pensar diferente, a ideia de compartilhar e remixar é o caminho para um novo modelo de economia sustentável, e eu acredito muito que este novo modelo surgirá com força no Brasil.

Este artigo foi publicado originalmente como: A matriz de forças da sustentabilidade na página 37 da edição 17 da Espirito Livre.

A singularidade das multidões

multidão (latim multitudo, -inis) s. f.

  1. Grande número de pessoas (ou de coisas).
  2. Aglomeração; montão.
  3. Povo; populacho; turba.

Ao pensarmos em multidão imaginamos o caos, desorganização, confusão, contra produção. Assim foi por muitos anos no espaço da racionalidade. Práticas educacionais e corporativas buscaram na padronização o caminho para o progresso, alinhados à cultura da produção em massa da Revolução Industrial. Até mesmo o lema da nossa bandeira: Ordem e Progresso; parece nos remeter a esta lógica, uma lógica profundamente entremeada nos valores e princípios da sociedade do século XX. Praticamente uma verdade absoluta e intangível que serviu de base para a construção das estruturas sociais e organizacionais até então conhecidas: Hierarquia vertical, comando em cascata, broadcasting e o gênio solitário.

Foto: Afonso Lima

No final do século XX, os EUA abriram a Internet à humanidade, até então uma infra-estrutura tecnológica em rede que servia para a comunicação e armazenamento de dados entre acadêmicos e militares. Tim Berners-Lee adicionou à esta camada uma nova camada de comunicação, a WWW. A apropriação da WWW livre e a consolidação dos conceitos de usabilidade e acessibilidade, pavimentaram o que hoje chamamos de web 2.0. Se observarmos “fora da caixa”, tudo que evoluiu na verdade configurou na redução da curva de aprendizagem, e consequentemente facilitou enormemente o acesso, tornando as camadas tecnológicas da rede invisíveis. A partir dai a Internet transformou-se em uma rede de pessoas, iniciando um processo sem retorno de profundas mudanças em todas as esferas da sociedade.

Crowdsourcing, as multidões fazendo acontecer

O Software Livre é sem dúvida nenhuma o caso mais notável de crowdsourcing. É uma construção caótica de software, com uma organização sem lideres, e sem hierarquias, jogando por terra valores e princípios “inegociáveis” do século passado. Muitos ainda não entendem como é possível produzir desta forma, outros tantos nunca irão entender, pois teriam de destituir-se de velhos e sedimentados princípios e valores, e muita gente não esta disposta à isto. Ainda são do tempo do “Em time que esta ganhando não se mexe”, azar o deles? Não, esta resistência à mudança tem sido a mola mestra do ACTA e outras práticas daninhas à rede como o AI5 digital. Estes neoludistas enxergam a Internet como uma ameaça, e nós como uma oportunidade única. Estamos em rota de colisão.

A nosso favor estão as pessoas de mente aberta, como o Rob McEwen CEO da GoldCorp, uma mina de ouro Canadense, que em 1999 estava à beira da falência. Depois de encantar-se pelo espírito livre e desbravador do Linux, que ele assistiu em uma conferência no MIT. Apesar de seus funcionários e especialista dizerem que não era mais possível extrair ouro da mina, ele acreditou que alguém poderia ter a solução. McEwen criou o concurso Goldcorp Challenge, que prometia distribuir U$575.000 aos que tivessem as melhores idéias para extrair ouro. Rob compartilhou dados secretos, como plantas, mapas, estudos e tudo mais que fosse necessário. O resultado do concurso foi fantástico, além da economia, equivalente a três anos de funcionamento, foram identificados 110 pontos de extração, e metade deles jamais haviam sido identificados pela Empresa. A GoldCorp pulou de um faturamento de U$ 100 milhões por ano para U$ 2 bilhões.

O caso da GoldCorp é emblemático porque é um caso que os analógicos entendem, é um exemplo incontestável do poder das multidões. Outros casos interessantes estão se construindo à nossa volta, como os diversos projetos de crowdfunding, onde indivíduos investem e decidem coletivamente como o capital será aplicado. A Wikipedia é outro caso fantástico, bem como as próprias redes sociais, elas não são nada sem nossa participação, sem nos o Facebook, Orkut, Youtube e outros não seriam nada, apenas uma boa idéia. E o mais incrível e que continuamos a agregar valor à estas redes, pois não visamos o retorno material, nossas motivações são outras. O documentário Us Now nos mostra vários casos de crowdsourcing, até mesmo um time de futebol, o Ebbsfleet united, com mais de 30 mil donos e técnicos que decidem de forma colaborativa até mesmo a escalação do time. Us Now também mostra exemplos de auto-organização que apontam para novas formas de governo, de democracia participativa.

Na esfera do governo, temos projetos inovadores no Brasil, como as consultas públicas do Marco Civil da Internet , Reforma da Lei de Direito Autoral e outras. Estas consultas foram feitas de forma livre à população pela Internet, um caso digno de registro de crowdsourcing no processo legislativo. Por falar em processo legislativo, temos também no Brasil o e-Democracia, uma rede social ligada à Câmara dos Deputados, que permite discutir temas em destaques e propor novos temas para debate. Ainda não temos nenhum projeto de colaboração como o Challenge Americano, onde diferentes órgãos do governo, apresentam problemas à sociedade e recompensam financeiramente àqueles que apresentam as melhores soluções.

O Crowdsourcing.org  é uma rede social especializada no crowdsourcing, e identifica basicamente sete grupos de estudo do tema:

  • Crowdfounding – Financiamento coletivo;
  • Cloud Labor (Trabalho em nuvem) – Aproveitamento de grupos virtuais de trabalho, disponíveis sob demanada para a realização de tarefas e projetos;
  • Collective Creativity (Criatividade coletiva) – Uso de grupos de talentos para desenvolvimento original de arte, design, mídia e conteúdo;
  • Open Innovation (Inovação aberta) – Uso de fontes externas à entidade ou grupo para gerar, desenvolver e implementar ideias;
  • Collective Knowledge (Conhecimento coletivo) – Desenvolvimento de células de conhecimento e informação a partir de grupos distribuidos de colaboradores;
  • Community Building (Construção de comunidades) – Desenvolvimento de comunidades através de grupos que compartilhem das mesmas paixões;
  • Civic Engagement (Engajamento cívico) – As ações coletivas que tratem de questões de interesse público.

Como vemos, ainda estamos começando a usar o poder das multidões, as pessoas estão começando a entender que juntas possuem um poder ilimitado, que não dependem dos intermediários e representantes. Governos e corporações também estão entendendo…

Individuo coletivo

Nos meus tempos de criança acreditávamos na figura do gênio solitário, filmes e desenhos animados nos mostravam cientistas isolados do mundo e acompanhados de um assistente burro, uma bela metáfora. É impressionante, mas hoje em dia muita gente ainda acredita no gênio solitário, tivemos nossas subjetividades subjugadas como sempre. Felizmente o mito do gênio solitário esta sendo derrubado nos tempos digitais do século XXI, avise aos “analógicos” da sociedade! Scott Berkun, ex-engenheiro da Microsoft, em seu livro “The Myths of Innovation” joga este conceito por água abaixo, e de quebra ainda enterra a idéia de que grande inovações vieram por epifania. Berkun explora uma questão muito importante, e que nos simplesmente sublimamos: Não estamos sozinhos, o ser humano é um ser social. Seja qual forma as idéias irão tomar, se produto material, imaterial ou bem cultural, elas são da coletividade. As idéias são construídas em coletividade, o “dono” dela tem sido aquele que consegue sistematiza-las ou utiliza-la para um propósito específico. O legado do século passado ainda insiste no fato de que as idéias são do primeiro a registrar a sua patente.

Somos parte da multidão, somos construtores da subjetividade coletiva, assim como nossa subjetividade é produto desta construção. Para ser mais correto, podemos afirmar que somos prosumidores de nos mesmos e ao mesmo tempo de todos nossos peers, que também são nossos prosumidores. No século passado isto era entendido pelo provérbio que dizia que “o homem é produto do meio”, mas o meio mudou, e o provérbio mostrou-se incompleto. Hoje podemos dizer que “o homem é produto do meio e o meio é produto do homem”, isto num ciclo crescente de construção cognitiva e coletiva do conhecimento. Quanto mais conectada a sociedade, mas visíveis ficam velhos conceitos que estão sendo subjugados, estamos quebrando velhas regras com uma voracidade incrível. Hoje entendemos que somos feitos de células, e a nossa “alma” de colaboração. É preciso entender que somos todos “eu” coletivo, que carregamos em nos um pouco de cada um, e vice versa.. Isto vale para tudo, saber, negócios, política e informação, ninguém é alguém sozinho. É preciso entender que o conhecimento pertence à sociedade, e que esta, e somente esta, tem a capacidade e o direito de transforma-lo de forma nunca antes imaginada na história da humanidade.

Os seis graus que nos separam

O importante fator das profundas e definitivas mudanças que estamos passando em nossa sociedade é o fato de estarmos novamente conectados em rede, novamente porque muito provavelmente estivemos conectados em rede quando ainda selvagens. A natureza irracional e burra esta repleta de exemplos de estruturas em rede, colméias, formigueiros, movimentos dos mares, planetas, e até mesmo nossa estrutura celular e neural! O homem civilizado cometeu um grande equivoco ao confundir a seletividade evolutiva com a organização estrutural das diversas sociedades, aprendemos equivocadamente que necessitamos de uma estrutura de poder vertical, poucos pensam e muitos executam, mais uma bela metáfora do capitalismo. Estão sempre buscando lideres em tudo…

Albert-László Barabási é um estudioso de redes, matemático, sistematizou esta estrutura e conseguiu provar matematicamente a teoria dos seis graus de separação. Segundo Barabási, apesar de seremos milhões conectados em rede, estamos de fato, distantes de qualquer outro por apenas seis pessoas. Barabási explica que as estruturas de redes são complexas e os hubs são indispensáveis ao funcionamento destas estruturas. Hubs por exemplo são indivíduos com alto capital social, ou sites e serviços populares. Os hubs são atalhos entre os milhões de nós da rede, de qualquer rede.

Fritjof Capra, compila no livro “A Teia da Vida”, várias contribuições da física, da matemática e da biologia para a compreensão dos sistemas vivos e, especialmente, de seu padrão básico de organização. Capra identifica a rede como esse padrão comum a todos os organismos vivos. “Onde quer que encontremos sistemas vivos – organismos, partes de organismos ou comunidades de organismos – podemos observar que seus componentes estão arranjados a maneira de rede. Sempre que olhamos para a vida, olhamos para redes. (…) O padrão da vida, poderíamos dizer, é um padrão de rede capaz de auto-organização”. Em seu livro “As Conexões Ocultas”, Capra tenta aplicar os princípios apresentados em “A Teia da Vida” na análise de fenômenos sociais – como o capitalismo global, a sociedade da informação, a biotecnologia e os movimentos contra-hegemônicos da sociedade civil.

A singularidade será das multidões

Conforme a Wikipedia, singularidade tecnológica é a denominação dada a um evento histórico previsto para o futuro, no qual a humanidade atravessará um estágio de colossal avanço tecnológico em um curtíssimo espaço de tempo. Vários cientistas, entre eles Vernor Vinge e Raymond Kurzweil, e também alguns filósofos afirmam que a singularidade tecnológica é um evento histórico de importância semelhante ao aparecimento da inteligência humana na Terra. Ainda não existe consenso sobre quais seriam os agentes responsáveis pela singularidade tecnológica, alguns acreditam que ela decorrerá naturalmente, como conseqüência dos acelerados avanços científicos. Outros acreditam que o surgimento iminente de supercomputadores dotados da chamada superinteligência será a base de tais avanços.

Na minha opinião a singularidade não será tecnologia, e sim das multidões, quanto maior a penetração da Internet na sociedade e quanto mais intensa for apropriação do crowdsourcing, mais rapidamente teremos as mudanças. Estas mudanças tenderão a ser de forma exponencial, não significa que mais um participante produza um incremento unitário, mas sim que este incremento leve em conta que o crowdsourcing é um processo retro-alimentando. Desta forma, nesta equação temos de considerar o que já fora construído e o potencial agregador e construtor do novo player, considerando inclusive seu capital social. Capital social este determinado em função da rede de relacionamento e do poder interativo e comunicacional deste indivíduo. Esta singularidade se dará na intensa construção cognitiva e coletiva do saber, potencializando ao máximo o conceito da Inteligência Coletiva sistematizado pelo filósofo Pierre Levy. Este fenômeno se dará possivelmente no momento em que a geração digital atingir a maturidade. Esta geração terá todos os conjuntos de afinadades, dogmas e valores para o processo pleno da construção e uso da Inteligência Coletiva, caracteristicas estas que nos imigrantes digitais não temos e nunca teremos, mas teremos o privilégio de vislumbrar o nascimento de uma nova sociedade infinitamente mais inteligente que a nossa, e profundamente interconectada, mudando radicalmente o mundo que conhecemos.

Uma vez entendido isto, podemos imaginar o tamanho do poder que a sociedade conectada poderá vir a ter, numa matriz dos poderes instituídos, este seria o quinto poder. Hoje temos os três poderes do Estado: Executivo, Legislativo e Judiciário que são poderes locais, e o quarto poder que é o corporativo que é enorme e transnacional e atualmente exerce uma enorme força sobre os Estados. Se levarmos em conta de que das 100 maiores economias do mundo, 51 são corporações. Dá para sentir o tamanho da força do quarto poder, eles simplesmente são mais poderosos que as nações. Entretanto o poder das corporações é avaliado em função do capitalismo, e da cultura da escassez. Douglas Rushkoff avalia que o capitalismo é na verdade o “sistema operacional” da sociedade, e que assim como ele no passado substituiu o “sistema operacional” vigente, nada impede que ele venha a ser substituído em breve, e a minha tese da singularidade das multidões prevê isto como citado no parágrafo anterior. Thomas Greco, em seu livro “The end of money and the future of civilization” coloca mais lenha na fogueira, mostrando que o modelo capitalista é auto-destrutivo e insustentável e que a partir da crise de 2008, a coisa só tende a piorar. Greco aponta na direção que estamos tomando. Mas o que virá depois do capitalismo? Segundo o Professor Giuseppe Cocco o que esta se construindo é o Capitalismo Cognitivo, uma forma de capitalismo que tem o conhecimento e a informação como principais riquezas e valoriza as competências cognitivas e relacionais.

Mesmo antes da troca do “sistema operacional” da sociedade, veremos o quinto poder chegar a um patamar de igualdade ao quarto. Se configurarem as previsões, as mudanças serão profundas e alavancarão o quinto poder como o maior poder da sociedade, ou seja, a própria sociedade conectada será o seu maior poder. Temos movimentos políticos e sociais acontecendo pelas multidões conectadas, o Mega Não e o Ficha Limpa no Brasil, 15-M na Espanha, o Stop Acta a nível mundial e troca de poder no Egito só para citar alguns. Os sinais estão por ai, e os envolvidos estão cientes e tomando suas providências, eles tem pressa. Em 2012 teremos a maior idade de uma parcela significativa da geração digital, eles tem pressa, muita pressa.

Texto ampliado e adaptado do que publiquei originalmente na Revista Espirito Livre numero 26, de maio de 2011

Nota de falecimento

Acaba de falecer o CAPITALISMO!

Rituais de magia branca de olhos azuis e amarela de olhos puxados ainda tentarão dar sobrevida ao defunto inutilmente. Seus comparsas, a mídia golpista (PIG) tentarão ocultar o cadáver, mas a sociedade conectada, o quinto poder, irão mostrar a todos onde esta o corpo fétido. O establishment irá negar enfáticamente sua culpa no assassinato:

– Foram os emergentes!

– Foram os emergentes!

Eles dirão na mais manjada estratégia Maquiavélica, afinal o Inferno são os outros ja dizia Sartre.

Seus orfãos, os Bancos e Mega Corporações irão tentar, através do legado da privataria promovida pelo neoliberalismo, instalar o “neocolonialismo“, tentando extrair vorazmente da turma de baixo suas riquezas. Entretanto o povo de baixo já não é mais tão subserviente ao império, e a queda 2.0 da nobreza colocará o mundo de cabeça para baixo.

O capitalismo cognitivo, onde as pessoas são o centro e não o dinheiro, vazara de baixo para cima, trocando o “sistema operacional” da sociedade como prefetizou Rushkoff, e veremos uma profunda e gratificante mudança na sociedade, onde o pensar e agir coletivo é a normalidade como bem diz Shirky.


A nota acima foi inspirada pelo infográfico da divida americana, que mostra a divida total de 114,5 trilhões de dolares. Segundo o infográfico, um cidadão médio levaria 92 anos para acumular U$ 1 milhão, logo seriam necessário que 114.500.000 de americanos trabalhem 92 anos para pagar a dívida. Como a estimativa de vida do Americano esta em 78 anos, uma regra de três simples nos leva ao número de 135.051.282 cidadãos, o que equivale a quase 44% da população daquele país. Some-se a isto a crise que assola a Europa, onde a dívida impagável da Grécia é apenas a ponta do Iceberg e veremos um quadro dantesco.

Thomas Greco em seu livro “The End of Money and the Future of Civilization” ja preconizava isto, afinal o capitalismo vive de endividamento, somos todos endividados e não prosperos como nos fazem crer. Estamos sempre trocando de dívidas, e isto leva a um ponto onde o endividamento se torna uma escala logarítmica, que tende ao infinito, promovendo uma verdadeiro “stall”.

Então prepare-se vamos entrar em uma grande turbulência, a aeronave vai cair, mas muitos sobreviverão…

Nota: Depois de publicar este texto aos sete ventos sem me certificar do valor da dívida americana, fui informado que ela é de U$ 15 trilhões e fui averiguar e vi que na verdade 114,5 trilhões de dolares é o valor emprestado a descoberto pelos bancos americanos, o que na prática acaba dando no mesmo. A figura acima mostra dois “edificios ao lado da estatua da liberdade, o menor é equivalente à pilha de cédulas de U$ 100,00 da dívida americana e o maior que o World Trade Center é o total do empréstimo à descoberto dos bancos americanos.

Os perigos da recentralização do mundo de pontas

A Internet foi concebida para ser operada de forma descentralizada, justamente para resistir à um ataque nuclear, paranóia muito comum durante o período da guerra fria. As maiores apropriações da rede foram feitas justamente dentro desta premissa, tanto as apropriações tecnológicas como o P2P como sociais como o crowdsourcing e o poder da auto organização.  O P2P é um protocolo que permite a troca de pacotes de pessoa à pessoa, ou melhor de muitas pessoas para muitas pessoas, com isto é possivel transmitir uma considerável massa de dados, sem sobrecarregar servidores ou braços da rede. O poder do crowdsourcing, da inteligência coletiva e da auto organização continuam um mistério para muitos, mas sabemos que sua base conceitual é justamente a descentralização e a ausência de uma liderança e da ultrapassada estrutura hierárquica.

Existem três manifestos que na minha opinião dizem muito a respeito da cibercultura, a nossa cultura, e das características fundamentais da rede. São eles o Manifesto Cluetrain, o Manifesto da Cultura Livre e o Mundo de Pontas.

O mundo de pontas trata justamente desta questão da descentralização que é a alma da cibercultura, a alma da internet. Ele mistura um pouco da estrutura da rede com as pessoas, é um passeio pelas camadas da conectividade como uma radiografia do complexo ecossistema social que se forma no século XXI, e tudo de uma forma bem simples. O manifesto destaca a clássica frase de John Gilmore: “A Internet interpreta a censura como um defeito e roteia para contorná-la”, numa constatação de que é impossível censurar a Internet. Outro trecho interessante é na declaração a seguir:

Não é o fim do mundo, é o mundo de pontas

Quando Craig Burton descreve a arquitetura burra da Internet como uma esfera oca composta inteiramente de pontas, ele está usando uma imagem que mostra o que é mais extraordinário sobre a arquitetura da Internet: retire o valor do centro e você viabilizará um crescimento louco de valor nas pontas interconectadas. Porque, claro, se todas as pontas estão conectadas, cada uma com cada uma e cada uma a todas, as pontas deixam de ser pontos finais.

E o que nós, pontas, fazemos? Qualquer coisa que pode ser feita por qualquer um que quer mover bits.

Notou nosso orgulho em dizer “qualquer coisa” e “qualquer um”? Isso decorre diretamente da arquitetura simples e burra da Internet.

Porque a Internet é um acordo, não pertence a nenhuma pessoa ou grupo. Não às empresas estabelecidas que operam a espinha dorsal (“backbone”). Não aos provedores que nos fornecem conexões. Não às empresas de “hosting” que nos alugam servidores. Não às associações de indústrias que acreditam que sua sobrevivência é ameaçada pelo que nós outros fazemos na Internet. Não a qualquer governo, não interessa quão sinceramente acredita que está tentando manter seus cidadãos seguros e complacentes.

Conectar à Internet é concordar em crescer o valor na periferia. E aí algo realmente interessante acontece. Todos estamos igualmente conectados. A distância não importa. Os obstáculos desaparecem e pela primeira vez a necessidade humana de conectar pode ser realizada sem barreiras artificiais.

A Internet nos dá os meios de nos tornarmos um mundo de pontas pela primeira vez.

Nos sabemos usar este ecossistema à nosso favor,  mas o establishment (Tripé do atraso) também sabe, ou melhor pode pagar para quem sabe trabalhar para ele. Desde a campanha eleitoral, que venho afirmando categoricamente que a Internet esta sofrendo um cerco técnico, altamente qualificado. São verdadeiros profissionais que estão usando e analisando a estrutura da rede e reduzindo comportamentos à modelos matemáticos, como um derradeiro esforço para recuperar o poder do establishment, que vem se diluindo rapidamente, e se não ficarmos atentos eles irão conseguir!

Os movimentos dos cercos técnicos, que é como chamo o movimento do establishment acima, atuam em diversas esferas, seja na trollagem, ou seja na manipulação das percepções e também agora parecem estar atacando como verdadeiros lobos em pele de cordeiro no sentido de recentralizar a web. O bacana disto tudo é que as duas teses dos perigos da recentralização vieram de meu filho, um típico representante da geração digital, sinal de que esta geração esta atenta. A primeira tese é o perigo das nuvens e agora os práticos serviços de download remoto de torrents.

Nuvens podem causar temporais

A midiaticamente propalada computação nas nuvens vem aos poucos mostrando a sua verdadeira face, que é a a de recentralizar o mundo de pontas, eu nunca havia percebido isto até que um dia meu filho me apresentou o Onlive, um site de jogos nas nuvens que a partir do pagamento de uma mensalidade permite que você jogue até mesmo a partir de um set top box para a TV. A Som Livre também lançou um serviço nas nuvens, o Escute, musicas com DRM que estão disponíveis por uma pequena mensalidade, uma conveniência que pode aprisionar, basta que tenhamos dispositivos moveis com custos de conexão mais baixos e velocidades mais altas, o próximo passo poderia ser a redução da “desnecessária” memória dos mesmos em detrimento da “performance”, isto sem contar da “conveniente” conectividade permanente.

Bom, mas onde esta o problema disto? Imagine que a moda pegue, nossos computadores voltariam a ser terminais quase burros, conectados à inteligente e centralizada nuvem para a qual pagariamos mensalidades para termos acesso à nossas produções, preferencialmente em formato proprietário. Ou seja, a inteligência da rede migraria para o centro, tornando-se vulnerável e mais facilmente controlável. José de Alcántara disponibilizou o e-book “La neutralidad de la Red” que dada a importância o disponibilizou sob a forma de domínio público, abrindo mão de quaisquer direitos. Neste e-book Alcántara faz exatamente esta abordagem, observem as topologias de rede abaixo:

No livro ele descreve que na rede centralizada, toda comunicação passa necessáriamente por um ponto central, de modo que o desaparecimento deste ponto irá desarticular totalmente a rede. A rede descentralizada é compostas de várias redes centralizadas interconectadas, entretanto a ruptura dos nós centrais das redes, ou a desconexão destas irá facilmente desarticular toda a rede, por fim a rede distribuída é radicalmente diferente das demais, não existe nó central, e a supressão de um ou mais nós não afetara a comunicação de forma alguma, esta é a Internet que temos hoje.

Jose também fala dos riscos da recentralização, apresentando-o como os serviços, não só das nuvens, como podemos entender as redes sociais privadas, APIs e protocolos fechados e proprietários, veja este trecho do livro:

La recentralización de la infraestructura

Aparte de los proveedores de acceso a Internet, cuyo objetivo principal es el de hacer valer su posición privilegiada -actualmente son la única puerta de acceso real a Internet- para obtener un beneficio desproporcionado, existe otro grupo de empresas que pretenden desequilibrar la balanza de la neutralidad de la Red a su favor: se trata de los grandes prestadores de servicios por Internet.

En esencia, estos prestadores de servicio actúan ofreciendo sus computadoras al público general, de forma que éste utiliza la infraestrectura como si de un servicio centralizado más se tratase, en lo que se conoce por el nombre de Infraestructura como servicio (Iaas).2.43.

Estos servicios de infraestructura centralizados funcionan de muy diferente manera e incluyen desde los servicios de computación en la nube,2.44 en los que el prestador de servicio alquila computadoras y potencia de cálculo para el propósito que el cliente desee, hasta los servicios de software centralizado en los que el prestador de servicio no sólo centraliza la infraestructura sino también el software. En general, tanto uno como otro disminuyen el grado de distribución de la Red.

Acredito que tenha ficado mais claro o grande risco da recentralização da rede, recomendo fortemente a leitura do e-book de Alcántara.

Centralizadores de torrents

O genial protocolo P2P, que é a base fundamental para a manutenção da liberdade na rede na construção de mecanismos anti-censura como sistematizado neste texto na EFF. Como citado no inicio deste texto, é um protocolo que permite a transferência otimizada de uma grande massa de dados sem sobrecarregar servidores e braços da rede. Com base neste protocolo surgiu o BitTorrent um protocolo de distribuição de arquivos. O BitTorrent funciona basicamente assim: Para cada arquivo ele constroi um mapeamento e vai capturando partes de arquivos de diversos usuários, os seeders. Todo usuário ao mesmo tempo que baixa um arquivo por BitTorrent esta ao mesmo tempo enviando partes dele para outros, quanto mais “seeders” mais rapidamente os arquivos são transferidos.

Surge então o LeechMonster, um “prático” serviço que baixa os torrents para você “anonimamente” e permite que você posteriormente os baixe via http ou ftp em alta velocidade. Um prático serviço a principio, mas veja que ele irá tirar milhares de “seeders” e será apenas um “seeder”, e aos poucos justamente por falta de “seeders” o serviço se tornará mais indispensável, e na mesma proporção irá matar o BitTorrent que se tornará uma solução muito lenta, recentralizando a rede mais uma vez.

Portanto, fique atento, não aceite “almoço gratis” com facilidade, pense antes se ele vai ser uma alta conta a pagar no futuro…

Foto: a imagem do globo com as peças foi produzida por Sanja Gjenero

Postado originalmente no Trezentos.

A Cauda Longa do Jornalismo

Esta é uma atualização de um artigo meu publicado no Jornalistas da Web em 2008.

É curioso como a humanidade tende a tratar transições e evoluções de forma apocalíptica. Foi assim com a chegada do rádio, da TV, e não poderia ser diferente com a Internet. O tema ficou em “banho maria” por alguns anos, pois além de não haver uma penetração considerável, ainda não haviam soluções que dessem margem ao jornalismo colaborativo, ou melhor, ao jornalismo crowdsourcing. Os anos se passaram, e a população conectada cresceu de forma surpreendente. Nos Estados Unidos, 95% dos jovens estão conectados. No Brasil, praticamente 50% da população acessa a Internet. Este crescimento associado a ferramentas como blogs, microblogging, fotoblogs, videoblogs, mapas, mashups e tudo isto potencializado pela computação cada vez mais ubiqua, deu espaço a um novo jornalismo, ao jornalismo crowdsourcing. E conseqüentemente ao interminável debate entre o jornalismo tradicional e o jornalismo crowdsourcing. O primeiro argumenta que o segundo é imaturo, e este, que o jornalismo tradicional é jurássico.

É uma comparação impossível, é preciso levar em consideração que uma grande mudança nas relações pessoais e econômicas foi provocada pela Internet. Esta mudança foi sistematizada por Chris Anderson, em seu best seller “A Cauda Longa“. A Internet possibilitou uma capilaridade nunca antes vista, atingindo nichos renegados e muitas vezes totalmente desconhecidos. A principio, o estudo de Anderson provocou surpresa, mostrando a todos que a cauda longa é maior do que o mainstream, e engorda cada vez mais por conta daqueles que viviam no mainstream e agora podem se juntar às suas tribos. É preciso levar em conta que a imprensa tradicional esta focando no mainstream, e que a imprensa social está focando na cauda longa.

É como se os leitores de fanzines habitassem a cauda longa, e os leitores dos grande jornais, a cabeça da cauda, o mainstream, e isto não quer dizer que esta relação seja excludente. Na prática, a capilaridade da Internet permitiu conectar nichos com interesses similares, formando os meganichos, que habitam o inicio da cauda, próximo ao mainstream. Quanto maior o nicho, mais genérica a informação. A tendência do crescimento dos meganichos, tanto em quantidades, como em tamanho, provoca dois movimentos na cauda: ela engorda e se alonga. Engorda por conta crescimento dos meganichos, e se alonga por conta dos novos nichos que surgem.

Existe um outro elemento importante, que é a informação. Abundante no ciberespaço, é o catalizador da evolução. O crowdsourcing é a personificação desta evolução. O cidadão conectado tem pressa, muita pressa. A instantaneidade é o resultado, ele quer saber agora, o que acontece agora, quer interagir com a noticia. O Jornalismo cidadão é visto como ruído pelo público mainstream, mas é extremamente eficiente para seus apreciadores, e isto a velha mídia precisa entender e estudar.

A questão da confiabilidade

Constantemente a credibilidade do jornalismo social é posta em xeque, os veículos tradicionais defendem que somente eles estão aptos a noticiarem com credibilidade, e que o jornalismo social não é confiável. Trata-se de uma meia verdade, uma vez que os veículos tradicionais cometem verdadeiras gafes, como o caso do “Homem diminui o dedo para usar o iPhone“, noticiado pelo Estadão. A confiabilidade do jornalismo social é diretamente proporcional ao número de fontes, ou a credibilidade conquistada por algumas delas. Um grande número de fontes permite ao leitor avaliar por amostragem o que é ou não confiável, e assim construir a sua percepção de confiabilidade de algumas fontes. Muitos blogs publicam matérias de alta qualidade e confiabilidade, uma vez que, para alguns, o blog é uma fonte de status e/ou receita, e o leitor é o seu mais valioso ativo.

Em termos de número de fontes, velocidade e interação, o microblogging revelou-se um grande aliado do jornalismo social, e o Twitter é de longe a mais popular ferramenta de microblogging. O caso do incêndio na Califórnia foi notório, mas não o único coberto via Twitter. A grande “sacada” é que em microblogging o texto é limitado a 140 caracteres e o celular é uma potencial ferramenta jornalística. Textos via SMS para o Twitter, fotos e vídeos via email para o Flickr e YouTube respectivamente e, na outra ponta, temos a noticia em qualquer dispositivo. É o verdadeiro crowdsourcing jornalístico.

Conectando os dois mundos

Existem diversos projetos com o objetivo de conectar os dois mundos. O mais notório deles é o OhmyNews, um jornal colaborativo com “cara” de jornal. Outro projeto bem interessante é o Paper.li, que produz um jornal diário automático com base no que você e quem você segue tuitam, ou listas ou ainda tags específicas. Tem também o Tabbloid que produzr um Jornal em PDF de acordo com feeds específicos. No Brasil, temos o próprio Jornalistas da Web, o Jornal de Debates e as redes de blogs que estão se formando, numa tendência a universalizar o jornalismo crowdsourcing.